O PS esvaziou os partidos de esquerda (BE e CDU), porventura penalizados pelo chumbo do orçamento conducente a uma crise política em plena crise pandémica e económica, e os novos partidos de direita erodiram a direita histórica. Uma direita com um partido (PSD) tomado por um proto-autoritário que pretende controlar a justiça e a comunicação social e navega ao sabor do vento no que diz respeito a coligações com a extrema-direita, e outro (CDS) a morrer nas mãos de um adolescente tardio que julga liderar uma associação de estudantes e se insurge contra espantalhos como o marxismo cultural e a direita fofinha dos salões do Príncipe Real. Ambos abriram espaço para o crescimento de um partido racista e xenófobo (CH) e de outro (IL) alicerçado num libertarianismo yuppie. Temos assim uma direita ideologicamente mais vincada e purista, organizacionalmente escaqueirada e orfã de quem a federe. Perante lideranças incapazes e um crescente radicalismo ideológico à direita, e um comportamento irresponsável à esquerda do PS, sendo as eleições ganhas ao centro, é natural que os eleitores que oscilam entre PS e PSD tenham decidido reforçar o PS. Isto significa um certo conservadorismo em relação à preservação do regime democrático, do Estado Social, do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública. Ou seja, aquilo que foram conquistas do liberalismo, do conservadorismo, da democracia cristã e da social-democracia no pós-II Guerra Mundial. Quando perceber isto e se deixar de aventureirismos, talvez a direita consiga voltar a ganhar eleições.
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Bem-vindos ao teatro do absurdo
O meu balanço das eleições presidenciais, no Sapo 24:
Salvou-se o bom discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, uma espécie de Presidente-Rei do Portugal contemporâneo, numa noite que representa, por diversas razões, um novo capítulo da história democrática. O regime precisa de se modernizar para promover uma maior participação eleitoral e aprofundar a representatividade e tem forçosamente de responder aos problemas económicos e sociais que enfrentamos para evitar a fragmentação social e a polarização política em que o populismo medra. Marcelo demonstrou ter consciência disto mesmo, mas encontra-se perante uma conjuntura de difícil gestão. Tanto a esquerda como a direita democráticas têm de se regenerar e reconfigurar para procurarem reconquistar aqueles que se sentem injustiçados e ignorados pelo sistema. A contagem decrescente já começou.
Do processo de corrupção moral do Bloco de Esquerda
Sobre Ricardo Robles, certamente, e é o mais escandaloso no caso em apreço, podemos falar na distância que vai daquilo que se proclama àquilo que se pratica, no sentimento de impunidade de quem se assume defensor de certas virtudes públicas, mas que na vida privada faz o mesmo que condena em terceiros, numa variante do provérbio “bem prega frei Tomás, faz o que ele diz e não o que ele faz”, apetecendo até invocar Lord Acton, para quem o poder corrompe, ou ainda Montesquieu, que nos ensinou que “todo o homem que tem poder é levado a abusar dele; vai até encontrar limites”.
Mas mais interessante até que os negócios de Robles, é assistir às tergiversações bloquistas a seu respeito, particularmente ilustrativas do que é uma certa esquerda que se auto-proclama detentora de uma qualquer superioridade moral que, alegadamente, a diferencia não só dos restantes posicionamentos políticos como de outros partidos e actores políticos individualmente considerados, mas que, na realidade, se tiver oportunidade, toma atitudes idênticas às daqueles que critica recorrentemente. Não é novidade que os parceiros geringonceiros do PS talvez tenham alcançado a maioridade política ao, finalmente, perceberem que a política não pode ser só pregar a suposta superioridade moral e pensar de forma absolutista, sendo muito mais a arte do possível, em que o exercício do poder requer a capacidade de negociar e encontrar compromissos. Os silêncios, nos últimos anos, dos geringonceiros BE e PCP sobre diversas matérias denotam isto mesmo. Mas coisa bem diferente é a tentativa de spin a respeito de factos que, além de reflectirem uma gritante hipocrisia (as posições políticas de Robles sobre o alojamento local e os negócios que realiza neste âmbito), objectivamente considerados, são censuráveis em qualquer pessoa, independentemente do partido em que milite, e que, obviamente, diminuem – e muito – a legitimidade política do político em causa.
Sabemos há muito que, como dizia Sir Humphrey Appleby, “where one stands depends upon where one sits”. Só não estávamos habituados a ver esta atitude no BE de forma tão explícita. Está, assim, concluído o processo de corrupção moral do BE, mais uma grande vitória de António Costa e do PS, mas que aproveita especialmente à direita portuguesa. Talvez os bloquistas ainda não o tenham percebido, mas este episódio coloca em causa todo o edifício da sua praxis política e terá notórias consequências no futuro do partido. Mas compreende-se que estejam ocupados com o debate, a decorrer enquanto escrevo este texto, subordinado à temática “propriedade é roubo”.
Lobbying em Portugal
Não sou adepto daquele estafado provincianismo que acha que o que se faz lá fora é que é bom e tem de ser importado para Portugal. Mas neste caso, basta olhar para as realidades de Bruxelas, Londres ou Washington para compreender que um regime de transparência na actividade de representação de interesses seria um saudável desenvolvimento que melhoraria a qualidade da nossa democracia. Bem, portanto, o CDS, o PS e o PSD. Já os “argumentos” de BE e PCP são de uma pobreza atroz.