Somos fantásticos a organizar eventos, mas frequentemente medíocres a planear quase tudo o resto, muitas vezes até coisas básicas. É uma das razões porque muitas políticas públicas não têm a eficácia desejada, a falta de capacidade de previsão e planeamento – sem falar na execução. Há décadas que o país arde todos os anos e ainda não conseguimos criar um dispositivo altamente profissional, hierarquicamente bem estruturado e comandado, de prevenção e combate aos fogos. Estudos e mais estudos, relatórios, avisos e recomendações de especialistas vários ficam arrumados numa gaveta qualquer enquanto, ano após ano, lideranças políticas medíocres e chefias operacionais de competência duvidosa anunciam investimentos de milhões de euros e, quando as coisas correm mal, atropelam-se em falhadas tentativas de spin sobre o que é mais que evidente: o caos na organização dos meios de combate ao fogo. Pelo meio, ninguém estranha nem se indigna por os bombeiros voluntários, heróis no meio disto tudo, se verem forçados a solicitar apoio em coisas básicas, como água e comida, às populações. Junte-se a isto uma sociedade civil anémica, que nem em face da tragédia que aconteceu em Pedrógão Grande pressionou devidamente as lideranças políticas, e temos as condições para continuar a praticar a célebre máxima de Lampedusa que titula este post. Para o ano há mais, como já é habitual.
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Vergonhoso
O discurso proferido há pouco por António Costa é absolutamente vergonhoso. A total falta de empatia, a incapacidade para a assunção de responsabilidades, a ausência de um pedido de desculpas aos portugueses por, em larga medida, terem sido deixados à sua sorte nestes últimos dias e pelos disparates ontem proferidos por membros do seu governo e por ele próprio, a repetitiva remissão para o relatório da comissão técnica independente sobre a tragédia de Junho deste ano, tudo isto é absolutamente deplorável. António Costa mostrou não ter qualquer sentido de Estado e que a reputação de politiqueiro lhe assenta como uma luva. Se dúvidas houvesse a este respeito, bastaria atentar no resumo de Gabriel Silva dos erros e responsabilidades directas que o Primeiro-Ministro teima em não assumir. Tudo isto vindo de um Primeiro-Ministro que afirma agora que “Depois deste ano nada ficará como dantes”, quando a sua proposta de Orçamento do Estado para 2018 não deixa adivinhar qualquer mudança estrutural no dispositivo de prevenção e combate aos incêndios. Como acontece há já cerca de 40 anos e como o próprio António Costa afiançava ontem, para o ano há mais, infelizmente.
Até quando abusarão da nossa paciência?
À hora a que escrevo este texto, registam-se 31 mortos nos incêndios de ontem, número que deverá continuar a aumentar. Quatro meses depois da tragédia de Pedrógão Grande, poucos dias após a publicação do relatório que evidencia as falhas graves que originaram esta tragédia – em resposta ao qual, a Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, diz que não se demite – e no dia em que o Secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, afirmou que “Têm de ser as próprias comunidades a ser proativas e não ficarmos todos à espera que apareçam os nossos bombeiros e aviões para nos resolver os problemas. Temos de nos autoproteger, isso é fundamental”.
Já nem falo nas consequências políticas que deveriam ser retiradas de tudo isto, da liderança da Protecção Civil por boys incompetentes, da gestão política com o objectivo de manter a popularidade de António Costa e de segurar a Ministra no cargo, da total ausência de conhecimento por parte da Ministra e do Secretário de Estado em relação à forma como vivem as populações no interior rural do país e como combatem os incêndios com os meios escassos que têm à disposição, da redução de meios de combate aos incêndios em resultado da compartimentação deste combate em várias fases, da desorientação e falta de coordenação dos meios existentes, do escandâlo que é o SIRESP, enfim, de tudo o que contribui para o que estamos a viver.
Apenas questiono, considerando que ano após ano se repete este flagelo, que as condições atmosféricas propícias a estes incêndios se registam ao longo de metade do ano, que ao Estado compete garantir a segurança dos seus cidadãos, até quando continuarão os políticos a ignorar a necessidade de estabelecer um dispositivo integrado de prevenção e combate aos incêndios florestais altamente profissional, especializado e em funcionamento durante todo o ano e a tempo inteiro? O que é que ainda terá de acontecer para que isto constitua uma prioridade nacional?
Da incapacidade crónica para assumir responsabilidades
Se considerarmos os problemas do SIRESP recentemente revelados, nomeadamente, a cláusula de exclusão de responsabilidade da empresa que gere o sistema caso este falhe aquando de situações de emergência – que terá tido a anuência de António Costa, Ministro da Administração Interna que assinou o contrato em 2006 -, o relatório de 2014 da KPMG, solicitado pelo governo de Passos Coelho, que identificava várias falhas no sistema, e, no que diz respeito em particular ao que se passou no incêndio em Pedrógão Grande, o vergonhoso jogo de vários organismos que procuram atribuir culpas uns aos outros e não se responsabilizam pelos seus próprios erros e problemas, concluímos que não só ninguém fica bem na fotografia, como estamos perante indivíduos com uma mentalidade infantil no que concerne à assunção de responsabilidades – só falta dizer, como as crianças, que “foi sem querer”.
Todos os anos Portugal é assolado por incêndios. Todos os anos os políticos se lamentam, mas pouco ou nada fazem para mudar esta situação. Desta feita, morreram 64 pessoas, muitas das quais devido a terem sido encaminhadas para uma estrada que deveria ter sido cortada. O Estado falhou naquela que é a sua principal incumbência, proteger os seus cidadãos, ninguém quer assumir responsabilidades pelas falhas e erros e o pior é que, provavelmente, no próximo ano continuaremos a ver milhares de hectares do país a arder. Tudo isto é absolutamente vergonhoso.