50 Anos de Democracia em Portugal: Aspirações e Práticas Democráticas

No ano em que se celebra o 50 aniversário do 25 de Abril de 1974, o Centro de Administração e Políticas Públicas do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas decidiu desenvolver um projecto de investigação “com o objetivo de mapear e descrever, a partir de um nível individual, como os portugueses percebem e compreendem as principais características da democracia”.

A equipa responsável é liderada pelos Professores Pedro Fonseca (coordenação geral), Conceição Pequito (coordenação científica) e Manuel Meirinho (coordenação institucional).

São parceiros deste projecto a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril e o jornal Público.

O website onde podem ser consultados diversos dados e recursos sobre a democracia portuguesa e no qual serão publicados os resultados da investigação já se encontra on-line.

Da sobrevalorização da comunicação na era do vazio

A sobrevalorização da forma sobre a matéria, do método sobre a teoria, da comunicação sobre a substância, é sintomática de sociedades permeadas pela superficialidade e efemeridade associadas à modernidade líquida. Nesta, com a relevância assumida pela “empresa” e pelo “mercado” em resultado da globalização económica a manifestar-se na forma como a governação política é encarada e exercida, o poder político vê-se na contingência de poder mudar, frequentemente de modo autoritário, sem uma discussão alargada, características identitárias patentes nas formas comunicacionais, como se um Estado ou um Governo fossem uma qualquer empresa privada. Tratando-se de alterações cosméticas a que subjazem disputas estéticas e políticas, não existe, neste ambiente social e cultural, qualquer possibilidade de arbitrar tais contendas por referência a critérios racionais e comunitariamente partilhados, com as preferências a residirem somente em gostos individuais. O que é feito encontra justificação apenas na força, na vontade de quem temporariamente exerce o poder político. Quem vier a seguir pode sempre fazer como quem veio antes, voltando a mudar a identidade visual, que com tantas variações acaba por erodir o seu próprio significado e, consequentemente, a identificação da comunidade política com o Governo. Nesta matéria, os diferentes governos têm-se comportado como um novo conselho de administração que opera um “rebranding” para se distinguir do anterior. Que as elites governantes não se apercebam do processo de desinstitucionalização do poder político associado a tal comportamento, não é surpreendente. Mas nem assim tudo isto deixa de ser lamentável.

Na hora da demissão de António Costa

Naturalmente, estamos agora focados na árvore e a pensar no que se seguirá, ou seja, se o Presidente da República, que convocou os partidos e o Conselho de Estado para os próximos dias, dará espaço a uma solução interna da maioria parlamentar do PS (com que legitimidade?), ou, o que é mais provável, dissolverá a Assembleia da República – isto numa altura de discussão do Orçamento do Estado para o próximo ano. O país político estará hoje especialmente agitado, num corrupio de telefonemas e especulação sobre cenários eleitorais, e muito provavelmente passará os próximos meses a fazer listas de candidatos a deputados à porta fechada – que os cidadãos são meramente chamados a ratificar nas urnas – e a preparar e conduzir a campanha eleitoral, onde mais uma vez o foco será nas lideranças políticas, como é timbre da personalização do poder político.

Mas talvez valha a pena olhar para a floresta. Nos últimos 23 anos, o PS foi governo durante 16. Dos seus 3 Primeiros-Ministros neste período, um saiu perante o “pântano político”, outro continua numa rocambolesca relação com a Justiça e é com esta que o terceiro inicia agora uma relação cujos contornos ainda desconhecemos. A isto acrescem ainda dezenas de casos de Ministros, Secretários de Estado, adjuntos, assessores e autarcas envolvidos em diversas suspeitas de corrupção e afins. Por mais “códigos de ética e conduta” e “estratégias nacionais de combate à corrupção” que sejam formulados, é inegável que Portugal tem um problema estrutural de corrupção e descrédito das instituições políticas, o que alimenta os populismos quer à esquerda quer à direita.

Na sua classificação das formas de governo Montesquieu explica que, quanto à sua natureza, existem três: a monarquia, a república (que pode ser mais aristocrática ou mais democrática) e o despotismo. Quanto ao princípio que anima cada forma, entendendo por tal o propósito que anima o povo, o que o faz actuar, considera que a república se fundamenta na virtude (amor à pátria e dedicação à causa pública), a monarquia na honra (baseada nos privilégios e distinções) e o despotismo no medo. O autor da fórmula final da separação de poderes admirava as repúblicas, mas considerava que a virtude cívica requer um elevado padrão moral, um espírito público por parte dos cidadãos que os motive a subordinar os interesses privados ao público.

Acontece que, como salienta Chandran Kukathas a respeito da teoria política de David Hume, “Não podemos depender da benevolência ou virtude dos actores políticos se queremos que a liberdade e a segurança das possessões sejam asseguradas”, pelo que “a única solução é ter uma constituição forte cujas regras gerais mantenham os grupos de interesse e indivíduos ambiciosos em xeque. São as regras e não os indivíduos que governam que asseguram a segurança e a liberdade da sociedade.”

No fundo, ecoa Cícero e Santo Agostinho, a propósito de quem Alan Ryan afirma que “[Cícero faz] da justiça a característica definidora de uma república que é realmente uma república, e antecipa a famosa observação de Santo Agostinho de que sem justiça um estado é simplesmente um grande gangue de ladrões: um estado corrupto não é uma comunidade. Não pode haver res publica se as instituições do governo são pervertidas para servir interesses privados. (…). Boas instituições protegem o interesse comum contra a erosão por interesses privados e evitam que os conflitos de interesses privados se tornem destrutivos.”

Enquanto comunidade politicamente organizada, temos evidentes problemas éticos, que não raro desaguam em problemas legais. Estes são particularmente notórios no PS porque a sua permanência durante longos períodos no poder acaba por potenciar vícios que conduzem à captura do Estado por determinados interesses privados e à erosão do interesse público. A forma de reduzir a elevada exigência moral colocada pela virtude cívica e levar a uma revalorização da causa pública é através do desenho institucional. Como também ensina Montesquieu, “todo o homem que tem poder é levado a abusar dele” indo até onde encontra limites.

Por outras palavras, precisamos urgentemente de reformar o sistema político nas suas diversas componentes. Sobre isto, teci algumas considerações já há quatro anos no Observador. Talvez esta seja uma boa oportunidade para reflectirmos sobre o que precisamos de fazer para melhorar a qualidade da nossa democracia liberal antes que ela se degrade ainda mais.

II Conferência ISCSP de Estudos Políticos, Estratégicos e Internacionais

Na próxima Quinta-feira, 18 de Maio, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa organiza a II Conferência ISCSP de Estudos Políticos, Estratégicos e Internacionais, desta feita subordinada à temática “Guerra e Paz no século XXI. Os desafios e o futuro da Ordem Liberal Internacional”. Além das intervenções de ilustres docentes e investigadores nacionais, contaremos com uma conferência de encerramento proferida pelo Professor G. John Ikenberry intitulada “Does the Liberal International Order have a Future?”.

A entrada no evento é gratuita, mas carece de inscrição obrigatória, disponível através deste link.

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Rússia vs. Ucrânia: Uma Análise Política, Estratégica e Internacional

Hoje, pelas 18:00, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa organiza um webinar sobre a situação na Ucrânia. Serão oradores os Professores José Maltez, Sandra Balão e Marcos Farias Ferreira.

A participação, via Zoom, é livre, mas sujeita a inscrição prévia aqui. Juntem-se a nós na análise a este momento delicado da segurança europeia e mundial.

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