Do processo de corrupção moral do Bloco de Esquerda

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Sobre Ricardo Robles, certamente, e é o mais escandaloso no caso em apreço, podemos falar na distância que vai daquilo que se proclama àquilo que se pratica, no sentimento de impunidade de quem se assume defensor de certas virtudes públicas, mas que na vida privada faz o mesmo que condena em terceiros, numa variante do provérbio “bem prega frei Tomás, faz o que ele diz e não o que ele faz”, apetecendo até invocar Lord Acton, para quem o poder corrompe, ou ainda Montesquieu, que nos ensinou que “todo o homem que tem poder é levado a abusar dele; vai até encontrar limites”.

Mas mais interessante até que os negócios de Robles, é assistir às tergiversações bloquistas a seu respeito, particularmente ilustrativas do que é uma certa esquerda que se auto-proclama detentora de uma qualquer superioridade moral que, alegadamente, a diferencia não só dos restantes posicionamentos políticos como de outros partidos e actores políticos individualmente considerados, mas que, na realidade, se tiver oportunidade, toma atitudes idênticas às daqueles que critica recorrentemente. Não é novidade que os parceiros geringonceiros do PS talvez tenham alcançado a maioridade política ao, finalmente, perceberem que a política não pode ser só pregar a suposta superioridade moral e pensar de forma absolutista, sendo muito mais a arte do possível, em que o exercício do poder requer a capacidade de negociar e encontrar compromissos. Os silêncios, nos últimos anos, dos geringonceiros BE e PCP sobre diversas matérias denotam isto mesmo. Mas coisa bem diferente é a tentativa de spin a respeito de factos que, além de reflectirem uma gritante hipocrisia (as posições políticas de Robles sobre o alojamento local e os negócios que realiza neste âmbito), objectivamente considerados, são censuráveis em qualquer pessoa, independentemente do partido em que milite, e que, obviamente, diminuem – e muito – a legitimidade política do político em causa.

Sabemos há muito que, como dizia Sir Humphrey Appleby, “where one stands depends upon where one sits”. Só não estávamos habituados a ver esta atitude no BE de forma tão explícita. Está, assim, concluído o processo de corrupção moral do BE, mais uma grande vitória de António Costa e do PS, mas que aproveita especialmente à direita portuguesa. Talvez os bloquistas ainda não o tenham percebido, mas este episódio coloca em causa todo o edifício da sua praxis política e terá notórias consequências no futuro do partido. Mas compreende-se que estejam ocupados com o debate, a decorrer enquanto escrevo este texto, subordinado à temática “propriedade é roubo”.

Da hipocrisia do Bloco de Esquerda

Paulo Tunhas, “Lenine explica”:

Acerca da anulação da conferência de Jaime Nogueira Pinto na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e dos motivos dessa anulação, muita gente, da esquerda à direita, se pronunciou com as palavras certas. Há, no entanto, uns silêncios que convém interrogar. Que eu tenha reparado, ninguém do PC ou do Bloco de Esquerda julgou útil desta vez fazer ouvir a sua voz, o que em princípio devia espantar, tratando-se de gente particularmente vocal que aprecia sumamente dissertar sobre toda a espécie de direitos e que tem ideias bem definidas sobre a liberdade, ou sobre as “amplas liberdades”, como dantes o PC dizia.

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Não custa muito encontrar uma explicação simples: porque concordam com a anulação da conferência. Demasiado simples? Francamente, não creio. A especialização nas chamadas “causas fracturantes”, que tornou o Bloco conhecido do bom povo português, tende a fazer esquecer algumas características ideológicas que identificam no essencial aquela tão moderna agremiação. É que, sob as vestes da modernidade, o que conta verdadeiramente são ainda as arcaicas concepções totalitárias que se encontram na sua origem. É isso que fornece uma unidade subjacente à multiplicidade das “causas”. Que isso permaneça imperceptível a uma grande parte das pessoas deve-se em grande parte a um efectivo talento para o marketing político que descobriu um muito conveniente nicho ecológico nos media. A maneira como esta ocultação da presença da origem no presente foi levada a cabo com sucesso é provavelmente um dos factos mais reveladores da facilidade do triunfo da impostura em política, uma impostura desde há um ano devidamente recompensada, para nossa grande desgraça, com a generosidade de António Costa.

(…).

É bom percebermos que estamos a lidar com gente para a qual não há, em domínio algum, qualquer espécie de neutralidade, inclusive académica. O silêncio em relação ao caso de Jaime Nogueira Pinto exibe-o perfeitamente e de forma inadulterada. O outro de que se discorda não é susceptível de merecer a distância que nos permita ouvi-lo. Insultá-lo, identificá-lo como inimigo, é mais fácil. No caso de Nogueira Pinto, é “fascista”. Noutros tempos, é bom lembrá-lo, bastava ser “socialista”. Desde que António Costa, com a sua proverbial fortitude, derrubou pela segunda vez o Muro de Berlim, os socialistas, tirando um excêntrico ou dois, podem estar tranquilos: “socialista” não é um nome feio. Mas nada garante que seja sempre assim. A não ser que certa gente do partido que Costa trouxe para junto de si tomar definitivamente conta do PS. Nesse caso, a paz poderá tornar-se definitiva. Com o PS a mudar até de nome: PSE – Partido Socialista de Esquerda. Lenine explica.