O novo livro do Professor José Adelino Maltez, Portugal pós-liberal, será lançado amanhã na Biblioteca da Academia Militar, em Lisboa, pelas 18:30. A apresentação estará a cargo de João Soares. O livro já pode ser adquirido através da Wook e para mais informações podem consultar a página no Facebook.
A Educação para a Cidadania e a travessia do deserto da direita
A proposito da polémica sobre a Educação para a Cidadania, hoje escrevo no Observador sobre a crise que grassa na direita:
“Basta olhar para o programa da mencionada disciplina, como fizeram Pedro Mexia e João Miguel Tavares no Governo Sombra de 5 de Setembro, ou atentar no que escreveu Paulo Guinote no Público, para perceber que esta direita incorreu pela enésima vez na falácia do espantalho, facilmente explicada pela eterna obsessão com a igualdade de género, a sexualidade e o marxismo cultural, misturada com muita prosápia em torno de chavões como a liberdade de escolha e a doutrinação ideológica.
(…).
“Enquanto esta direita for incapaz de se organizar, de se consagrar como oposição efectiva e de apresentar um projecto político mobilizador que atenda às prioridades do país, continuará a infligir a si própria a menorização política a que temos assistido nos últimos anos em face de um PS cuja linha dominante não acolhe a inversão a que acima aludi e que, quando no governo, bem ou mal, vai procurando responder aos anseios concretos da maioria dos portugueses. Enquanto não conseguir sacudir-se de espantalhos, continuará uma penosa travessia do deserto.”
Ciclo de Seminários “As Dinâmicas Geoeconómicas dos Grandes Players”
O Instituto do Oriente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade de Lisboa promove um ciclo de seminários subordinado ao tema “As Dinâmicas Geoeconómicas dos Grandes Players”. As sessões serão realizadas via Zoom, Facebook e Linkedin estando sujeitas a inscrição prévia através deste formulário. Podem encontrar mais informações no site do Instituto do Oriente.
Ciclo de Webinars “A Europa em tempos de (Des)União: Reflexões e Prospetiva”
O Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade de Lisboa promove um ciclo de webinars subordinado ao tema “A Europa em tempos de (Des)União: Reflexões e Prospetiva”. As sessões serão realizadas via Zoom, estando sujeitas a inscrição prévia através deste formulário. Podem encontrar mais informações no site do CAPP.
In Memoriam – Sir Roger Scruton (1944-2020)
Há 8 anos tive o privilégio de assistir a uma conferência de Sir Roger Scruton, em Lisboa, dedicada essencialmente à temática do Estado-nação como resposta às crises que vamos vivendo e em que o filósofo britânico não deixou de tecer críticas ao processo de integração europeia, um tema recorrente nas suas reflexões e a que dedicou parte de um dos livros que mais o deu a conhecer em Portugal, As Vantagens do Pessimismo. Diria até que se Nigel Farage, Boris Johnson e Dominic Cummings foram os principais artífices do Brexit na praxis política, Scruton terá sido quem mais fez por esta causa no plano das ideias, especialmente atendendo à sua apaixonada defesa de uma certa ideia de Inglaterra que tantas vezes lhe causou dissabores ao longo da sua tumultuosa carreira académica. Da conferência em Lisboa, guardo a memória não só do seu brilhantismo intelectual, mas da sua simpatia e genuíno gosto pelo debate de ideias, numa tarde em que se dispôs a partilhar as suas reflexões com uma dúzia de académicos portugueses, alguns dos quais, aliás, se têm dedicado a estudar o seu pensamento – como é, de resto, o meu caso, figurando Scruton como um dos autores conservadores cujas ideias sobre os conceitos de tradição, razão e mudança analisei na minha tese de doutoramento.
Tratando-se de um herdeiro de Burke e de Hegel, de um crítico do liberalismo mas que coincide parcialmente com autores como Hayek (outro herdeiro de Burke) no que à teoria social concerne, Scruton é um dos pensadores contemporâneos responsáveis por desconstruir o mito de que ser conservador é igual a ser-se imobilista. Só um incauto poderia ser surpreendido pela sua afirmação tipicamente burkeana, em How to be a Conservative, de que o “desejo de conservar é compatível com toda a forma de mudança, desde que a mudança também seja continuidade”. Dificilmente se pode concordar com tudo no seu pensamento – é, também, o meu caso -, ainda para mais tratando-se de um autor tão prolífico, mas é impossível lermos Scruton e não nos sentirmos desafiados e estimulados a reflectir sobre os mais diversos temas. A minha evolução intelectual é parcialmente devedora do seu trabalho, que me permitiu compreender melhor as falhas do liberalismo e as potencialidades do conservadorismo, quer na teoria quer na acção política. A sua morte, hoje, aos 75 anos, é uma notícia triste e representa uma perda inestimável para a reflexão política dos conservadores – bem como dos seus adversários, alguns dos quais analisados em Fools, Frauds and Firebrands, uma das suas obras mais polémicas e cuja primeira edição, em 1985, com o título Thinkers of the New Left, lhe valeu o repúdio de boa parte da academia britânica. Afinal, numa época de ortodoxias e dogmatismos vários, à esquerda e à direita, a sua moderação foi quase sempre vista como herética. Partiu prematuramente, mas o seu trabalho e as suas ideias continuarão a florescer e a resistir ao teste do tempo.
Nesta hora, e para terminar, permitam-me relembrar o que creio ser uma das passagens mais emblemáticas de How to be a Conservative e que resume a sua posição moderada a respeito do papel do Estado. Para Scruton, e em tradução livre da minha lavra, este
é, ou deve ser, tanto menos do que os socialistas requerem, e mais do que os liberais clássicos permitem. O Estado tem um objectivo, que é proteger a sociedade civil dos seus inimigos externos e das suas desordens internas. Não pode ser meramente o Estado ‘night watchman’ defendido por Robert Nozick, visto que a sociedade civil depende de relações que devem ser renovadas e, nas circunstâncias modernas, estas relações não podem ser renovadas sem a provisão colectiva do bem-estar. Por outro lado, o Estado não pode ser o fornecedor e regulador universal proposto pelos igualitários, visto que o valor e o compromisso emergem das associações autónomas, que florescem apenas se puderem crescer de baixo. Ademais, o Estado só pode redistribuir riqueza se a riqueza for criada e a riqueza é criada por aqueles que esperam ter uma parte dela.”
Descanse em paz, Sir Roger Scruton.
Lançamento do International Affairs Network
Amanhã será oficialmente lançado o think tank International Affairs Network, liderado por Inês Calado Lopes Domingos, que muito simpaticamente me convidou a contribuir para a primeira publicação desta organização, subordinada à temática do Brexit. Trata-se de uma associação que, numa época de turbulência à escala global, se propõe reflectir sobre o futuro da ordem internacional liberal e o papel de Portugal nesta. Aqui fica o site, onde entre artigos de Nuno Sampaio, Carlos Coelho e outros autores, podem encontrar o da minha autoria, “The United Kingdom in the balance of Europe and of the international liberal order”, em que procuro enquadrar o Brexit na longa história da política externa britânica e mostrar por que razões é uma no-win ou lose-lose situation.
Isto está tudo ligado
Hoje escrevo no Observador sobre como a reforma do sistema eleitoral (que, mais uma vez, foi adiada para as calendas gregas), o centralismo, a regionalização, a valorização do interior, o regresso de emigrantes e o crescimento económico são questões intrinsecamente ligadas. Infelizmente, estamos reféns de partidos políticos que, parafraseando Lampedusa, andam há décadas a mudar alguma coisa para que fique tudo como está. Por isso, termino este artigo assim:
Dir-me-ão que estou a ser demasiado ambicioso e até irrealista com estas propostas, quando, afinal, eu próprio aventei acima que dificilmente os principais partidos abdicarão do statu quo, ao que acresce termos uma sociedade civil anémica com pouca capacidade de pressionar o sistema político. Mas tudo isto serve também outro propósito: evidenciar a distância entre o discurso e a acção dos partidos políticos nos temas a que aludi e a nossa incapacidade, enquanto sociedade civil, para fiscalizarmos e responsabilizarmos o poder político e o pressionarmos no sentido de se proceder a reformas realmente estruturais que aproveitem mais eficientemente os recursos naturais, humanos e financeiros do país. Como escreveu Miguel Torga, “Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados.” Os partidos políticos agradecem.
ISCSP organiza 5.ª edição da Conferência sobre Terrorismo Contemporâneo
É já amanhã que o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – ISCSP/ULisboa assinala os 100 anos das Relações Internacionais com uma conferência dedicada à temática do Terrorismo Contemporâneo, onde terei a honra de integrar um painel sobre “A Securitização do Estado e a Democracia”. Aqui fica o cartaz completo:
Governar um país não é o mesmo que dirigir uma empresa
For, save with the very exceptional man, success in private life is not an adequate introduction to public office. The motivation of action is too different, the relation to other persons is too different also. It is not specialists in a departmental line whom the president requires as colleagues, but men who can take the kind of view he is compelled to take of the kind of problem with which he has to deal. The successful private lawyer – Mr. Ickes is a notable exception – can rarely think in this way; still less can the successful business man who is usually of little value in politics because that blending of wills in the give and take of compromise which is a large part of its essence is rarely a quality that distinguishes him. It is, above all, the quality the politician learns from handling matters of public responsibility. He comes to realize that words, there, are checks upon public account which there must be cash to meet, if credit is to be maintained. He learns, too, that decisions in politics differ from most decisions in private life, because they have to be defended with arguments that are certain to be attacked by the other side with all the resources at their disposal. That is why I think the cabinet of politically trained men will be indispensable to any president who is not himself so extraordinary that he could almost dispense with a cabinet altogether; and, Lincoln perhaps apart, there has been no such president in the history of the United States.
A crítica é a alma das democracias liberais
Hoje escrevo no Observador sobre como o processo de crítica imanente é central nas democracias liberais e na competição entre estas e potências revisionistas não-democráticas, como a China e a Rússia, que visam subverter a ordem internacional liberal. Aqui fica uma passagem:
A superioridade, nas mais diversas áreas, das sociedades demo-liberais em relação às não-democráticas resulta em larga medida deste processo de crítica que opera através da liberdade de expressão, do debate público, da concorrência e da inovação, permitindo às sociedades corrigirem o seu rumo com base nas experiências passadas, mudando de forma gradual, reformista ou evolucionista, não de forma revolucionária, como frequentemente acontece em sociedades fechadas.
Assobiar para o lado
A emergência do populismo no seio das democracias liberais, a perda de hegemonia dos EUA no sistema internacional, a ascensão da China e o ressurgimento da Rússia, ambas potências revisionistas e claras ameaças à zona de paz liberal, o Brexit e o futuro de uma União Europeia dominada por uma Alemanha encantada com Putin, as alterações climáticas, a crise dos refugiados, a cibersegurança e as guerras de informação e desinformação no ciberespaço fomentadas pela Rússia e China e nós o que discutimos? Petições a favor e contra um museu dedicado a Salazar, já depois da crise dos combustíveis, dos incêndios sempre reveladores da nossa aversão ao planeamento sistematizado, da importação dos espantalhos racistas dos estudos pós-coloniais, da sempre presente ideologia de género e da restante espuma dos dias alimentada pelos ciclos noticiosos e pelas shitstorms nas redes sociais. Sem embargo de a esfera pública numa sociedade livre dever comportar os mais diversos temas, entretanto, num mundo cada vez mais globalizado e perigoso, cá continuamos, neste cantinho à beira-mar plantado dominado por certa sociedade de corte composta por caciques e carreiristas partidários e umas quantas dúzias de famílias, sem darmos prioridade à política externa e andando essencialmente a reboque dos parceiros europeus. Já dizia Rodrigo da Fonseca que “nascer entre brutos, viver entre brutos e morrer entre brutos é triste”.
Study of the U.S. Institutes for Scholars on Foreign Policy
Entre 13 de Junho e 26 de Julho participarei no Study of the U.S. Institutes for Scholars on Foreign Policy, para o qual fui seleccionado pela Fulbright Commission Portugal, Embaixada dos EUA em Portugal e U.S. Department of State e que este ano é organizado pela University of Delaware. Trata-se de um programa que compreende dezenas de conferências e seminários e visitas a instituições académicas, governamentais e não-governamentais e que tem como como principal objectivo conferir aos seus participantes conhecimentos que permitam melhorar a qualidade do seu ensino e investigação sobre os EUA e, especificamente, sobre a política externa do país. Podem encontrar mais informações no site da Universidade da Beira Interior.
Rescaldo da noite de eleições europeias
Lá fora, ainda não foi desta que a onda populista se tornou tsunami.
Cá dentro, à esquerda, se um partido no governo, com um péssimo cabeça de lista, consegue este resultado, imagine-se o que não conseguirá nas legislativas se as circunstâncias sociais e políticas se mantiverem estáveis; à direita, se esta não for capaz de se entender, de gerar um projecto inovador e agregador, de concorrer a eleições em coligações amplas, dificilmente voltará a ser governo nos próximos anos – e não será com as lideranças de Rio e Cristas, ambos sem ideias para o país e com o carisma de uma couve de Bruxelas, e ignorando ou descurando o potencial da Aliança e da Iniciativa Liberal, que conseguirá conquistar o poder.
A grande vencedora, porém, continua a ser a abstenção, que, como é habitual, foi vilipendiada durante toda a noite por vários políticos e políticos-comentadores. A este respeito, e em modo telegráfico, saliento apenas que os sistemas partidário e eleitoral portugueses são bastante elitistas, fechados, pouco representativos da sociedade portuguesa e avessos à participação política. Podemos sempre colocá-los em perspectiva histórica e levar em consideração as condicionantes com que se defrontou uma recente e frágil democracia nos anos seguintes ao 25 de Abril de 1974. Mas passados 45 anos, temos partidos-cartel que dificultam a entrada de novos partidos no jogo democrático, não há a possibibilidade de candidaturas independentes à Assembleia da República, o mandato livre dos deputados é, na verdade, um mandato imperativo pertencente aos partidos que impõem uma profundamente anti-democrática disciplina de voto, não há eleições primárias nos partidos, não temos voto preferencial, não temos círculos uninominais e a tão propalada reforma do sistema eleitoral é mero ornamento de programas eleitorais de partidos que, obviamente, nunca irão abdicar voluntariamente de um sistema que lhes dá o poder que detêm e lhes permite continuarem a desdenhar a sociedade civil. A representação é cada vez mais ténue e a participação política para a generalidade da população, porque os partidos assim o querem, limita-se ao voto em listas previamente feitas pelas máquinas partidárias, ou seja, a uma mera ratificação do que os partidos decidem à porta fechada. É claro que há pessoas que têm pouco ou nenhum interesse pela política, mas colocar inteiramente o ónus da abstenção na generalidade dos portugueses, demitindo-se os partidos de quaisquer responsabilidades pelo actual estado de coisas, é, no mínimo, incorrecto e injusto. Por tudo isto, de cada vez que oiço da boca de políticos, em noites eleitorais, a ladainha da abstenção e do desinteresse dos portugueses pela política, apetece-me logo puxar da pistola. Isto é assim e continuará a ser assim porque os partidos querem que assim seja.
Programa para esta semana – VI Jornadas de CPRI – UBI
Do sistema político português
José Adelino Maltez, Metodologias da Ciência Política: Relatório das provas de agregação apresentado no Outono de 1996, Lisboa, ISCSP-UTL, 2007, p. 223:
“E eis que o processo de luta entre os grupos se transforma de luta aberta em luta oculta, no qual, na nebulosa e nas brumas, conspiram, já não sociedades secretas e sociedades discretas, mas, sobretudo, grupos de amigos e muitas outras minorias militantes e feudalizantes ao serviço de programas gnósticos, por onde circulam inúmeros idiotas úteis que executam sem saberem de programação.
“Os apoios e as reivindicações, assim instrumentalizados, tendem a favorecer um crescente indiferentismo, o qual é o principal input dos actuais sistemas políticos que não sabem manter relações de troca com os outros subsistemas sociais. Tudo se joga no tabuleiro de um esotérico, onde comunistas, ex-comunistas, maçónicos e antimaçónicos, anticomunistas e anti-ex-comunistas brincam ao jogo dos iniciados, sem estabelecerem comunicação com quem é cada vez mais abstencionista, mesmo que se procure inverter a disfunção com o recurso aos populismos e às vozes tribunícias.
“É por tudo isto que Portugal se dessangra em autonomia, em identidade e em consciência. Colonizado por forças exteriores e empobrecido por forças internas, tende para uma mediocracia. A classe política caminha para um rebaixamento de fins porque o nível dos apoios e das reivindicações tende a expressar-se, de modo dominante, por minorias militantes, essas que circulam no conúbio entre a classe política e a classe mediocrática. Surge, assim, um crescente volume de indiferença abstencionista como principal forma de entrada no sistema político, o qual tende apenas a produzir decisões para quem o provoca, correndo o risco de se desenraizar do ambiente, de entrar em disfunção, mesmo que, internamente, funcione de forma correcta.”
Brexit: uma teoria da estratégia de Theresa May
David Cameron, que era contra a saída do Reino Unido da UE, prometeu e realizou o referendo do Brexit, tendo-se demitido na sequência deste. Nigel Farage, Boris Johnson, Michael Gove e companhia fizeram uma campanha demagógica pelo Leave e a seguir puseram-se ao largo – excepção para Johnson, que ainda conseguiu demonstrar ao mundo, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros, que é mais pateta do que se pensava. Theresa May fez campanha pelo Remain e, numa atitude que tanto pode ser vista como contraditória (à luz da weberiana ética da convicção) ou patriótica (à luz da ética da responsabilidade), manteve-se ao leme do Governo britânico, sendo a principal responsável por implementar uma decisão de que discorda e tendo várias vezes rejeitado a possibilidade de se realizar um novo referendo.
Tenho, sobre este assunto, já de há algum tempo a esta parte, uma teoria parcialmente explicativa e parcialmente preditiva (ainda que bastante especulativa), que vou aqui arriscar colocar, finalmente, por escrito. O mais provável é que esteja errada, mas na remota hipótese de vir a mostrar-se certa, lembrem-se que a leram aqui primeiro.
May tem estado, ao longo dos dois últimos anos, num putnamiano jogo de dois níveis. À luz deste modelo de análise de negociações internacionais, no nível ou tabuleiro de xadrez nacional ou doméstico, May lida com uma maioria de agentes políticos favorável ao Leave e uma sociedade civil fragmentada mas cuja maioria provavelmente votaria a favor do Remain caso se tivesse realizado um novo referendo. No entanto, esta probabilidade poderia ser contrariada por uma nova campanha demagógica a favor do Leave, desta feita até exageradamente focada na crítica a Theresa May, pelo que, mais uma vez, corria-se o risco de a campanha e o resultado do referendo espelharem essencialmente questões e lutas políticas internas.
Por outro lado, no tabuleiro internacional, o governo britânico encetou duras negociações com a União Europeia, tendo chegado a um acordo que, não sendo ideal e não agradando a ninguém, parece ser o possível – algo que tantas vezes acontece em política. Boris Johnson, Jeremy Corbyn e afins consideram que conseguiriam fazer mais e melhor e acham que ainda há forma de obter um acordo em que o Reino Unido consiga eat the cake and have it too, contra todas as evidências no sentido contrário.
A estratégia que May poderia adoptar para maximizar as possibilidades de um novo referendo ter como resultado a permanência do Reino Unido na UE foi precisamente a que adoptou até agora, utilizando aquilo que me parece poder ser inspirado na brinkmanship. No nível internacional, foi negociando o acordo possível para, no nível nacional, ao mesmo tempo que ia rejeitando a realização de um novo referendo por o resultado ser ainda algo incerto, mostrar à sociedade civil que a decisão de saída será prejudicial aos interesses do Reino Unido e reduzir o espaço de manobra dos seus adversários políticos que acham que seria possível negociar um bom acordo. Os adversários de May, ao contrário do que muitos poderiam pensar, não estão no nível internacional, não são a UE nem os negociadores europeus. Pelo contrário, estes foram essenciais para a sua estratégia. Os seus verdadeiros adversários estão no nível doméstico e foi em relação a estes que utilizou a brinkmanship, ou seja, que conduziu este processo a um ponto de tal forma perigoso que lhe permita finalmente ter a vantagem suficiente sobre estes, não para garantir a sua posição de Primeira-ministra – bem pelo contrário -, mas para almejar realizar um novo referendo com uma elevada probabilidade de o resultado ser o da permanência na UE. A votação de hoje no parlamento britânico, que May sabia antecipadamente que iria perder, foi apenas mais um passo na estratégia da Primeira-ministra de reforçar a percepção, na sociedade civil britânica, da irresponsabilidade da maioria dos seus políticos.
Como escrevi acima, é provável que esteja enganado. Mas na remota hipótese de estar certo, a esta luz, May revelar-se-ia uma estadista de elevadíssima craveira, alguém que se arrogou a responsabilidade de manobrar um dos mais perigosos, incertos e complexos processos políticos contemporâneos, com evidentes prejuízos para a sua carreira política, mas que teria salvaguardado o Reino Unido e a União Europeia dos ímpetos demagógicos e irresponsáveis de uns quantos outros políticos. Certo é que o processo ainda não terminou e os próximos dias serão decisivos. Aguardemos.
Um estudo empírico que contraria vários argumentos favoráveis ao populismo
Yascha Mounk e Jordan Kyle decidiram realizar um estudo com base em dados empíricos e confrontar argumentos a respeito do populismo, tendo escrito este excelente artigo que reforça aquilo que muitos, entre os quais este vosso humilde escriba, têm vindo a defender, que o populismo, de esquerda ou de direita, é uma ameaça às democracias liberais, não um correctivo. Aqui fica a conclusão:
Since populists often thrive on anger about all-too-real shortcomings—elites who really are too remote, political systems that really are shockingly corrupt—it is tempting to hope that they can help rejuvenate imperfect democracies around the world. Alas, the best evidence available suggests that, so far at least, they have done the opposite. On average, populist governments have deepened corruption, eroded individual rights, and inflicted serious damage on democratic institutions.
Lançamento do livro “Tradição, Razão e Mudança” – UBI, Covilhã
No seguimento do meu post anterior, renovo o convite para estarem presentes numa das sessões de lançamento do meu livro, desta feita deixando a imagem do convite para a sessão a ter lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade da Beira Interior, no dia 11 de Dezembro, pelas 14h30, no anfiteatro 7.22, bem como a ligação para a respectiva página do evento no Facebook.
Lançamento do livro “Tradição, Razão e Mudança” – ISCSP, Lisboa
A minha tese de doutoramento, subordinada à temática “Tradição, Razão e Mudança”, conceitos abordados à luz de ideias liberais, conservadoras e comunitaristas, será publicada nos próximos dias pela Edições Esgotadas e terá uma sessão de lançamento em Lisboa, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, a 5 de Dezembro, pelas 19h00, e outra na Covilhã, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade da Beira Interior, a 11 de Dezembro, pelas 14h30.
É com muito gosto que vos convido a estarem presentes, aproveitando a oportunidade para vos persuadir com as apresentações a cargo do Professor Doutor José Adelino Maltez, da Professora Doutora Cristina Montalvão Sarmento e da Dr.ª Ana Rodrigues Bidarra, autores, respectivamente, dos dois prefácios e do posfácio, bem como com a belíssima ilustração da capa da obra, onde figura um quadro do Dr. Nuno Castelo-Branco apropriadamente intitulado “O Fim do Ocidente”.
Aqui ficam a imagem e a ligação para página da primeira sessão de lançamento. Em breve partilharei a imagem e a página da segunda sessão.
Sobre o populismo
O Alexandre Homem Cristo está cheio de razão quando afirma que está em curso uma batalha pela linguagem centrada na definição de “populismo” – o novo fascista, neo-liberal ou comunista enquanto insulto no quotidiano politiqueiro. Cá no burgo, esta batalha, à semelhança do que acontece(u) com os epítetos anteriormente mencionados, faz-se em larga medida entre pessoas que sofrem de hemiplegia moral, políticos e comentadores que procuram colar aos adversários este rótulo como forma de deslegitimar a sua participação no processo político demo-liberal.
São, portanto, incapazes, de perceber ou admitir o que já tantos autores, de Margaret Canovan a Ernesto Laclau, ou mais recentemente, Cas Mudde e Jan-Werner-Muller, pese embora o sempiterno debate em torno da definição de populismo – como acontece com qualquer outro conceito na ciência política -, definiram enquanto características centrais do populismo, nomeadamente, a possibilidade de acomodar qualquer ideologia, de esquerda ou de direita (o populismo é uma ideologia de baixa densidade – na classificação de Mudde e Kaltwasser, que se socorrem desta expressão originalmente utilizada por Michael Freeden – ou seja, como escrevi num artigo para o Jornal Económico, tem um reduzido conteúdo ideológico normativo, aparecendo normalmente ligado a outras ideologias que, essas sim, procuram articular determinadas concepções a respeito da natureza humana, da sociedade e do poder político, estabelecendo a partir destas uma determinada visão do mundo. O mesmo é dizer que o populismo se acopla a ideologias quer de esquerda quer de direita, existindo inúmeros exemplos de políticos e partidos de ambos os quadrantes que articulam uma retórica populista com as mais diversas ideologias. Existem, assim, subtipos do populismo, mas raramente se encontrará o populismo numa forma pura), a divisão da sociedade entre o povo puro e a elite corrupta e a pretensão de que a política seja a expressão da rousseauniana vontade geral, de que os populistas dizem ser os únicos e legítimos representantes.
Disto facilmente se percebe que, independentemente da forma como seja teorizado (ideologia, estilo discursivo ou estratégia política sendo as três formas mais comuns), o populismo é incompatível com a democracia liberal, daí que seja particularmente apropriada a definição mínima avançada por Takis Pappas (recomendação de Pedro Magalhães no Facebook) de populismo enquanto democracia iliberal. Esta definição mínima está, aliás, em linha com as considerações de Mudde e Kaltwasser a respeito dos impactos do populismo consoante a fase do processo de democratização em que surja, podendo ter impactos positivos sobre regimes autoritários, ao catalisar uma transição democrática, mas tendo frequentemente impactos negativos se surgir numa democracia liberal consolidada, representando uma ameaça que se pode concretizar num processo de desdemocratização (dividido em erosão democrática, ruptura democrática e repressão).
É por isto que, na minha humilde opinião, o populismo contemporâneo representa uma séria ameaça ao que Michael Doyle se refere como a zona de paz liberal, uma actualização da teoria da paz democrática derivada da ideia de paz perpétua de Kant, e, consequentemente, ao modo de vida a que estamos habituados no Ocidente. Mas sobre isto, passe a imodesta publicidade, falarei na próxima semana, no dia 21, no I Congresso de Relações Internacionais da Universidade Lusíada-Norte.