Artigo publicado no Diário Digital, na coluna de opinião monárquica Quinta-feira, Junho de 2012
Como quase todos os conceitos políticos e filosóficos, também o patriotismo é alvo de inúmeras conceptualizações conflituantes que, segundo Alasdair MacIntyre, ocorrem num espectro que tem num extremo a ideia de que o patriotismo é uma virtude e, noutro, que é um vício. Resumidamente, pode-se definir o patriotismo como o amor pelo próprio país, identificação com este e preocupação com os nossos compatriotas. Não é despiciendo referir a comum sobreposição e confusão com o nacionalismo, pelo que importa salientar a distinção que Lord Acton opera, afirmando que o nacionalismo está ligado à raça, algo que é meramente natural e físico, enquanto o patriotismo se prende com os deveres morais que temos para com a comunidade política.
Por outro lado, talvez seja mais fácil pensar que o patriotismo pertence àquela categoria de conceitos que se não me perguntarem, eu sei o que é. Isto acarreta vários problemas, especialmente no que concerne à transposição e utilização do patriotismo no debate político. Também o interesse nacional e o bem comum são conceitos que podem pertencer a esta categoria, e também sobre estes há inúmeras perspectivas. José Sócrates invocou recorrentemente o interesse nacional para se recusar a pedir ajuda internacional, quando já era mais do que sabido que não só a viabilidade financeira do estado português estava em causa, como também a soberania nacional. Como poderia ser do interesse nacional – conceito que está directamente relacionado com o patriotismo – persistir naquele caminho?
Acontece que, em democracia, os partidos políticos são necessários mas promovem, frequentemente, a fragmentação da sociedade num clubismo irracional e num sectarismo que deixa ao critério da opinião da maioria a decisão sobre o caminho a seguir. Quando os limites à acção governamental não são bem definidos e fortes, quando a separação de poderes não actua como deveria no sentido da difusão do poder, isto pode ser perigoso para todos os indivíduos de uma comunidade nacional organizada politicamente num estado. Ademais, tendendo o estado moderno para a adoração de símbolos nacionais, contribuindo para a criação, acrescentando-se ou substituindo-se a um sentimento patriótico, deixar que no debate político uma das partes se possa livremente ancorar no patriotismo para justificar as suas acções, ou seja, apelando à emoção e não à razão, pode ser fatal não só à parte contrária como à nação.
Claro que a política é feita em larga medida de emoção. Mas sendo o patriotismo o amor pelo próprio país, cada indivíduo desenvolve à sua maneira esse amor. Frequentemente, como acontece em Portugal, este amor revela-se numa assertiva e mordaz capacidade de crítica, provavelmente herdeira da nossa veia queirosiana. Pode até levar a um “intenso sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar o estado de Portugal”, como no caso de Fernando Pessoa. Aquilo que o patriotismo não deve ser, é um amor acrítico, muito menos por partidos políticos e governos, porque também de acordo com Pessoa, “O Estado está acima do cidadão, mas o homem está acima do Estado”, e é preciso não esquecer que o falso patriotismo, que, por exemplo, descura o bem-estar dos nossos compatriotas, e que habitualmente se revela nos auto-proclamados patriotas, é, como Samuel Johnson afirmou, “O último refúgio de um canalha.”
Vem isto a propósito, também, do momento que vivemos de ocasional exaltação patriótica, em virtude da participação da selecção nacional de futebol no Euro 2012. Gosto de futebol, e gosto de vibrar com futebol, especialmente com a selecção nacional. Mas é com pesar que observo o lamentável espectáculo a que por estes dias podemos assistir nas ruas de Portugal: as bandeirinhas nacionais na janela. Parece-me ser um fenómeno de patriotismo falso, artificial, ainda para mais quando em Portugal existe uma enorme apatia pelo envolvimento na causa pública, que se reflecte na falta de fiscalização e limites à actividade governamental, não sendo, por isso, de admirar os abusos a que governos vários nos sujeitam.
Uma nação que se deixa esbulhar e ir à bancarrota sem espernear, que deixa que a sua pátria seja violada por algo como o Acordo Ortográfico, que ainda assiste impávida e serena ao pavonear dos actores principais deste triste fado, e que só com a selecção nacional de futebol se deixa exaltar num patriotismo pífio, não é uma nação. É uma caricatura e o espelho da pobreza de espírito que grassa em Portugal.