II Conferência ISCSP de Estudos Políticos, Estratégicos e Internacionais

Na próxima Quinta-feira, 18 de Maio, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa organiza a II Conferência ISCSP de Estudos Políticos, Estratégicos e Internacionais, desta feita subordinada à temática “Guerra e Paz no século XXI. Os desafios e o futuro da Ordem Liberal Internacional”. Além das intervenções de ilustres docentes e investigadores nacionais, contaremos com uma conferência de encerramento proferida pelo Professor G. John Ikenberry intitulada “Does the Liberal International Order have a Future?”.

A entrada no evento é gratuita, mas carece de inscrição obrigatória, disponível através deste link.

iscsp-ulisboa_conferencia_guerra_paz_2023_ocartaz.

Conferência “A Função da Teoria em Relações Internacionais: Perspetivas e Debates”

Mais informações disponíveis no site do ISCSP.

iscsp-ulisboa_a_funcao_teoria_relacoes_internacion

Brexit, the Rise of China, and the Future of the Liberal International Order and Great Power Competition

Acaba de ser publicado o meu mais recente artigo, que pode ser lido na íntegra aqui, cortesia da Society e da Springer. Aqui fica o abstract:

In the last decade, the European Union (EU), a bulwark of the liberal international order, has been subject to a high degree of turmoil resulting from various processes and crises and has witnessed the rise of national populism, of which Brexit was the main exponent. The leadership of the order was also impacted by the changes in the foreign policy of the United States of America (USA) effected by the Trump Administration. The USA, the United Kingdom (UK), and the EU are the leaders of the liberal zone of peace and if national populism structurally affects them the liberal international order could be seriously challenged. Among the various instances of national populism, Brexit remains a significant challenge to the EU and might greatly impact the liberal international order. By adopting an interpretivist methodology anchored in hermeneutics and in the methodological approach of emergent causation, this article seeks to understand how Brexit, as an internal challenge to the order, and the rise of China and other revisionist powers, as an external one, might influence the future of the liberal international order and great power competition. I argue that the news of the order’s death is greatly exaggerated, and that depending on British, German, and US variables, Brexit and the rise of China can either challenge or reinforce the liberal international order. Nevertheless, liberalism has a resilience no other political perspective has due to its innate ability for criticism and adaptation to change. Considering that the current liberal international order is a USA-led order, I argue that these are the two main variables concerning how Brexit might influence the liberal international order and how the order’s leading powers will adapt their strategies and foreign policies towards China and other revisionist powers.

O regresso do fim das ideologias

Hoje escrevo no Observador sobre como a guerra na Ucrânia nos coloca perante um retorno da tese do fim das ideologias. Aqui fica um excerto:

Nesta conjuntura internacional, parece-nos importante questionar se não estaremos também a assistir ao regresso da tese do fim das ideologias, desta feita com base na dicotomia entre democracias liberais e regimes autoritários. Esta já era uma característica da política internacional pós-Guerra Fria, mas a interdependência económica entre as democracias liberais e, principalmente, a Rússia e a China, levou o Ocidente a lidar com uma certa bonomia com as interferências e tentativas de subversão das suas sociedades abertas. Agora que as aparências caíram por terra, somos todos, nas democracias liberais, convocados para um confronto político e ideológico. Com raras excepções, as divergências entre a esquerda e a direita parecem dar lugar a uma coesão social que se revela no apoio à Ucrânia e na consciência de que estamos perante uma ameaça existencial ao modo de vida demoliberal. A política internacional volta a definir as convergências e cisões ideológicas. O século XXI começa agora.

A resistência ucraniana e o bluff de Putin

Hoje, no Observador, um artigo meu com uma análise neo-realista sobre a resistência ucraniana e o bluff de Putin a respeito da utilização de armas nucleares.

Importa ainda salientar que, desde o início do conflito, subsiste aparentemente um motivo para as potências ocidentais não intervirem directamente com forças militares convencionais no teatro de guerra: a posse de armas nucleares por parte da Rússia. É o receio de uma escalada conducente a uma guerra nuclear que está nas mentes dos decisores políticos, bem como nas de muitos comentadores, especialmente após a ameaça, por Putin, de consequências nunca vistas na nossa história. Ora, a ameaça implícita de utilização de armas nucleares por Moscovo não é credível. Primeiro, porque, como mencionado acima, os Estados são actores racionais e estratégicos que têm como objectivo primário a sua própria sobrevivência e as armas nucleares só são úteis para efeitos ofensivos se apenas um dos lados num conflito as detiver. Segundo, porque retém validade a brilhante análise de George Kennan no seu Long Telegram (1946) e em The Sources of Soviet Conduct (1947), que esteve na génese da doutrina da contenção do expansionismo soviético. Conforme salientou o eminente sovietólogo, o Kremlin é “Impermeável à lógica da razão e altamente sensível à lógica da força. Por esta razão, pode-se retirar facilmente – e geralmente fá-lo quando encontra uma forte resistência em qualquer ponto.” Assim foi aquando das crises dos Estreitos Turcos e do Irão, logo em 1946, mas também no restante período da Guerra Fria, quando os EUA já não detinham o monopólio das armas nucleares.

Isto significa que o cálculo da utilização de armas nucleares não é tão linear e automático como muitos comentadores e políticos pensam, talvez influenciados pelo clássico de Stanley Kubrick Dr. Strangelove. Trata-se de uma tecnologia eminentemente defensiva e quando dois lados em confronto a detêm, ao invés de poder contribuir para uma escalada, pode precisamente levar ao término das hostilidades. Quando a sobrevivência de um dos lados é colocada em causa pelo recurso a esta tecnologia, devido à garantia de retaliação, deixa de fazer sentido utilizá-la – era nisto que assentava a doutrina da Mutual Assured Destruction (MAD).

Putin está ciente disto e acredita que os Estados ocidentais não intervirão militarmente na Ucrânia devido ao receio de uma escalada para um confronto nuclear. Talvez esteja na altura de o Ocidente ser imprevisível e surpreender Putin com o que para este é improvável, revelando o seu bluff. Seria um golpe de mestre que rapidamente o obrigaria a suspender as hostilidades e a sentar-se à mesa das negociações antes que o seu regime colapse.

A Ucrânia é aqui

Escreveu Montesquieu que “todo o homem que tem poder é levado a abusar dele; vai até encontrar limites”. É assim tanto no plano doméstico dos Estados como na política internacional, onde, na última década, um Ocidente em turbulência não tem conseguido lidar devidamente com o bully-in-chief de uma cleptocracia apostada em fragmentar as democracias liberais. Como se não bastasse a inépcia dos líderes Ocidentais, o chefe do Kremlin ainda é aplaudido à saciedade por idiotas úteis beneficiários do conforto e das liberdades da civilização ocidental e da geografia que lhes calhou em sorte. Quem louva a violação, por uma potência revisionista e agressiva, dos dois princípios basilares da ordem vestefaliana, a soberania e a não-ingerência, ignora a história (mesmo que Putin não seja Hitler ou Estaline) e não compreende que o expansionismo russo ameaça a ordem internacional sobre a qual repousa o nosso modo de vida. A Ucrânia é aqui ao lado e não colocar limites a Putin é franquear ainda mais as portas da segurança europeia e transatlântica.

ISCSP debate culturas estratégicas dos EUA, China e Rússia

60956eae955bb-1-6.png

“Culturas Estratégicas em Debate: EUA, China e Rússia” é o tema do webinar que se realiza dia 14 de maio de 2021, às 18 horas, com transmissão através da plataforma Zoom.

O painel de oradores será composto por três oradores Diana Soller, investigadora do IPRI/Universidade Nova de Lisboa, que irá discutir a cultura estratégica norte-americana, pela Professora da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Maria Raquel Freire, que falará sobre a cultura estratégica da Federação Russa, e o Professor do ISCSP-ULisboa Heitor Romana, que irá desenvolver a temática da cultura estratégica da China.

Poderá assistir à conferência através da seguinte ligação: https://videoconf-colibri.zoom.us/j/83732954750?pwd=MGo1Nldzb0VLdXFtTkdzdGVVUWZFUT09. ID reunião: 837 3295 4750; Senha de acesso: 201068.

Programa para hoje

176156943_3867138856712434_1318295243678679709_n.j

On January 20, 2021, Biden was inaugurated as president of an America devastated by the pandemic, submerged in the greatest economic crisis since the Great Depression, divided internally and with international prestige in its nadir.
This complex context has placed on the current administration’s shoulders the responsibility of uplifting the United States, with the first 100 days of his administration playing a key role in this mission.
Within this scope, NERI, in partnership with FLAD, prepared the Webinar “The First 100 Days of Biden’s Administration”, which will be held on April 30th at 2:30 pm (Lisbon) / 9:30 am (Massachusetts).
Moderated by Samuel de Paiva Pires – visiting professor at ISCSP -, this session will count with the honorable contributions of Ana Santos Pinto – assistant professor at the Department of Political Studies in NOVA University of Lisbon – and Michael J. Rodrigues – state senator representing the First Bristol and Plymouth District.
Join us and be part of a highly-promissing event/discussion, sign up now!
https://forms.gle/Qm9DQj9x75RrnhLKA

ISCSP organiza 5.ª edição da Conferência sobre Terrorismo Contemporâneo

É já amanhã que o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – ISCSP/ULisboa assinala os 100 anos das Relações Internacionais com uma conferência dedicada à temática do Terrorismo Contemporâneo, onde terei a honra de integrar um painel sobre “A Securitização do Estado e a Democracia”. Aqui fica o cartaz completo:

iscsp_cartaz_programa_conferencia_terrorismo_2019.

A crítica é a alma das democracias liberais

Hoje escrevo no Observador sobre como o processo de crítica imanente é central nas democracias liberais e na competição entre estas e potências revisionistas não-democráticas, como a China e a Rússia, que visam subverter a ordem internacional liberal. Aqui fica uma passagem:

A superioridade, nas mais diversas áreas, das sociedades demo-liberais em relação às não-democráticas resulta em larga medida deste processo de crítica que opera através da liberdade de expressão, do debate público, da concorrência e da inovação, permitindo às sociedades corrigirem o seu rumo com base nas experiências passadas, mudando de forma gradual, reformista ou evolucionista, não de forma revolucionária, como frequentemente acontece em sociedades fechadas.

Assobiar para o lado

A emergência do populismo no seio das democracias liberais, a perda de hegemonia dos EUA no sistema internacional, a ascensão da China e o ressurgimento da Rússia, ambas potências revisionistas e claras ameaças à zona de paz liberal, o Brexit e o futuro de uma União Europeia dominada por uma Alemanha encantada com Putin, as alterações climáticas, a crise dos refugiados, a cibersegurança e as guerras de informação e desinformação no ciberespaço fomentadas pela Rússia e China e nós o que discutimos? Petições a favor e contra um museu dedicado a Salazar, já depois da crise dos combustíveis, dos incêndios sempre reveladores da nossa aversão ao planeamento sistematizado, da importação dos espantalhos racistas dos estudos pós-coloniais, da sempre presente ideologia de género e da restante espuma dos dias alimentada pelos ciclos noticiosos e pelas shitstorms nas redes sociais. Sem embargo de a esfera pública numa sociedade livre dever comportar os mais diversos temas, entretanto, num mundo cada vez mais globalizado e perigoso, cá continuamos, neste cantinho à beira-mar plantado dominado por certa sociedade de corte composta por caciques e carreiristas partidários e umas quantas dúzias de famílias, sem darmos prioridade à política externa e andando essencialmente a reboque dos parceiros europeus. Já dizia Rodrigo da Fonseca que “nascer entre brutos, viver entre brutos e morrer entre brutos é triste”.

Study of the U.S. Institutes for Scholars on Foreign Policy

Entre 13 de Junho e 26 de Julho participarei no Study of the U.S. Institutes for Scholars on Foreign Policy, para o qual fui seleccionado pela Fulbright Commission Portugal, Embaixada dos EUA em Portugal e U.S. Department of State e que este ano é organizado pela University of Delaware. Trata-se de um programa que compreende dezenas de conferências e seminários e visitas a instituições académicas, governamentais e não-governamentais e que tem como como principal objectivo conferir aos seus participantes conhecimentos que permitam melhorar a qualidade do seu ensino e investigação sobre os EUA e, especificamente, sobre a política externa do país. Podem encontrar mais informações no site da Universidade da Beira Interior.

Brexit: uma teoria da estratégia de Theresa May

theresa may.jpg

David Cameron, que era contra a saída do Reino Unido da UE, prometeu e realizou o referendo do Brexit, tendo-se demitido na sequência deste. Nigel Farage, Boris Johnson, Michael Gove e companhia fizeram uma campanha demagógica pelo Leave e a seguir puseram-se ao largo – excepção para Johnson, que ainda conseguiu demonstrar ao mundo, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros, que é mais pateta do que se pensava. Theresa May fez campanha pelo Remain e, numa atitude que tanto pode ser vista como contraditória (à luz da weberiana ética da convicção) ou patriótica (à luz da ética da responsabilidade), manteve-se ao leme do Governo britânico, sendo a principal responsável por implementar uma decisão de que discorda e tendo várias vezes rejeitado a possibilidade de se realizar um novo referendo.

Tenho, sobre este assunto, já de há algum tempo a esta parte, uma teoria parcialmente explicativa e parcialmente preditiva (ainda que bastante especulativa), que vou aqui arriscar colocar, finalmente, por escrito. O mais provável é que esteja errada, mas na remota hipótese de vir a mostrar-se certa, lembrem-se que a leram aqui primeiro.

May tem estado, ao longo dos dois últimos anos, num putnamiano jogo de dois níveis. À luz deste modelo de análise de negociações internacionais, no nível ou tabuleiro de xadrez nacional ou doméstico, May lida com uma maioria de agentes políticos favorável ao Leave e uma sociedade civil fragmentada mas cuja maioria provavelmente votaria a favor do Remain caso se tivesse realizado um novo referendo. No entanto, esta probabilidade poderia ser contrariada por uma nova campanha demagógica a favor do Leave, desta feita até exageradamente focada na crítica a Theresa May, pelo que, mais uma vez, corria-se o risco de a campanha e o resultado do referendo espelharem essencialmente questões e lutas políticas internas.

Por outro lado, no tabuleiro internacional, o governo britânico encetou duras negociações com a União Europeia, tendo chegado a um acordo que, não sendo ideal e não agradando a ninguém, parece ser o possível – algo que tantas vezes acontece em política. Boris Johnson, Jeremy Corbyn e afins consideram que conseguiriam fazer mais e melhor e acham que ainda há forma de obter um acordo em que o Reino Unido consiga eat the cake and have it too, contra todas as evidências no sentido contrário.

A estratégia que May poderia adoptar para maximizar as possibilidades de um novo referendo ter como resultado a permanência do Reino Unido na UE foi precisamente a que adoptou até agora, utilizando aquilo que me parece poder ser inspirado na brinkmanship. No nível internacional, foi negociando o acordo possível para, no nível nacional, ao mesmo tempo que ia rejeitando a realização de um novo referendo por o resultado ser ainda algo incerto, mostrar à sociedade civil que a decisão de saída será prejudicial aos interesses do Reino Unido e reduzir o espaço de manobra dos seus adversários políticos que acham que seria possível negociar um bom acordo. Os adversários de May, ao contrário do que muitos poderiam pensar, não estão no nível internacional, não são a UE nem os negociadores europeus. Pelo contrário, estes foram essenciais para a sua estratégia. Os seus verdadeiros adversários estão no nível doméstico e foi em relação a estes que utilizou a brinkmanship, ou seja, que conduziu este processo a um ponto de tal forma perigoso que lhe permita finalmente ter a vantagem suficiente sobre estes, não para garantir a sua posição de Primeira-ministra – bem pelo contrário -, mas para almejar realizar um novo referendo com uma elevada probabilidade de o resultado ser o da permanência na UE. A votação de hoje no parlamento britânico, que May sabia antecipadamente que iria perder, foi apenas mais um passo na estratégia da Primeira-ministra de reforçar a percepção, na sociedade civil britânica, da irresponsabilidade da maioria dos seus políticos.

Como escrevi acima, é provável que esteja enganado. Mas na remota hipótese de estar certo, a esta luz, May revelar-se-ia uma estadista de elevadíssima craveira, alguém que se arrogou a responsabilidade de manobrar um dos mais perigosos, incertos e complexos processos políticos contemporâneos, com evidentes prejuízos para a sua carreira política, mas que teria salvaguardado o Reino Unido e a União Europeia dos ímpetos demagógicos e irresponsáveis de uns quantos outros políticos. Certo é que o processo ainda não terminou e os próximos dias serão decisivos. Aguardemos.

Para um debate sobre a política externa portuguesa numa época de turbulência

Esta semana podem encontrar um artigo da minha autoria no Prisma, nova plataforma de slow journalism do Jornal Económico, em que viso contribuir para o debate sobre a política externa portuguesa na era de turbulência em que vamos vivendo, marcada pela crise do euro, crise dos refugiados, Brexit, Trump, Putin, Merkel, populismo, eurocepticismo, fundamentalismo islâmico e uma União Europeia à procura de perceber o seu futuro.

Make America Weak Again

Amy Zegart:

Trump has a foreign-policy doctrine, all right. He’s been advancing it with remarkable speed, skill, and consistency. Its effect can be summed up in one neat slogan: Make America Weak Again.

America’s preeminence on the world stage rests on five essential sources of power: neighbors, allies, markets, values, and military might. The Trump Doctrine is weakening all of them except the military.”

(…).

International-relations scholars have long found that great powers typically fall for two reasons: imperial overstretch or rivalry with other great powers. Never in world history has a country declined because of so many self-inflicted attacks on the sources of its own power.

A procissão ainda vai no adro

trump kim jong un.jpg

Entre os vários modelos de análise de negociações internacionais, merece particular destaque o modelo provavelmente mais aproximado à realidade, proposto, em 1982, por Zartman e Berman, no clássico The Practical Negotiator. Este modelo, que se mantém actual, ainda que revisto e actualizado por G. R. Berridge, é simples e permite evitar resvalar para um dos dois extremos que se têm manifestado nos últimos dias, a celebração efusiva e a desvalorização do que Trump alcançou na já histórica cimeira de Singapura.

Resumidamente, o modelo prevê a existência de 3 fases em qualquer negociação internacional: a pré-negociação, a negociação e a pós-negociação/follow-up. A fase da negociação (ou around-the-table negotiations), por sua vez, subdivide-se em duas fases, a da fórmula e a dos detalhes. A fórmula é, essencialmente, um conjunto de ideias simples e abrangente que enquadra a questão a ser negociada, estabelecendo uma percepção partilhada sobre esta e uma estrutura cognitiva de referentes para uma solução ou um critério ou ideia de justiça a concretizar por via da negociação. No caso do acordo assinado em Singapura, a fórmula resume-se à ideia de “security guarantees for complete denuclearization“, na medida em que Trump promete criar condições de segurança para a Coreia do Norte e esta, por seu turno, se compromete a desenvolver esforços no sentido da total desnuclearização, algo que muitos analistas não consideram uma possibilidade verosímil.

Agora compete às equipas de negociadores darem conteúdo prático aos compromissos, na fase dos detalhes, aquela em que se estabelecem medidas e passos concretos. Ainda vai demorar algum tempo até percebermos se a Coreia do Norte irá realmente avançar no sentido da desnuclearização (algo que até só poderá ser perceptível na fase de pós-negociação), pelo que resta-nos esperar para ver como se desenvolverão as negociações, não sendo despiciendo assinalar que o modelo é meramente uma ferramenta analítica, sendo possível, na prática, que as fases se sobreponham e também que se regrida de uma fase posterior para uma anterior.

Sublinhe-se que isto não retira valor à cimeira de Singapura. O que Trump alcançou encontra-se fundamentalmente no domínio do simbólico, mas o encontro com Kim Jong-Un foi um passo essencial para o eventual desbloqueio da situação na península coreana. Do acordo assinado não se poderia esperar algo mais que uma manifestação de intenções generalistas, mas não se pode desvalorizar o facto de Trump ter sido o primeiro presidente norte-americano a sentar-se à mesa das negociações com um líder norte-coreano, nem a forma como conseguiu criar as condições para o encontro, recorrendo a uma retórica invulgar num presidente dos EUA. Se a retórica de Obama, que nos deixou um mundo certamente mais inseguro que aquele que tinhamos em 2008, mereceu um Prémio Nobel da Paz, o que premiará, gostando-se ou não da sua abordagem algo primária, a actuação de Trump no domínio da desnuclearização?

Zartman e Berman.jpgBerridge.png

Trump e o Prémio Nobel da Paz

Miguel Sousa Tavares, na SIC, afirmou há pouco que se o Prémio Nobel da Paz for entregue a Trump, algo que foi hoje sugerido pelo Presidente da Coreia do Sul, a instituição do Prémio Nobel acaba e até a própria família de Trump se rirá a bandeiras despregadas. Sendo eu insuspeito nesta matéria, dada a minha opinião negativa acerca de Trump, e considerando as devidas cautelas quanto à concretização da desnuclearização proclamada por Kim Jong-Un, não deixa de ser irónico que Trump possa ser um factor determinante para a pacificação da Península da Coreia. 

Ora, atentemos na justificação do Comité Nobel Norueguês para atribuir o Prémio a Obama em 2009: “The Norwegian Nobel Committee has decided that the Nobel Peace Prize for 2009 is to be awarded to President Barack Obama for his extraordinary efforts to strengthen international diplomacy and cooperation between peoples. The Committee has attached special importance to Obama’s vision of and work for a world without nuclear weapons.”

Claro que as visões e ideias são importantes, mas a concretizar-se a desnuclearização da Coreia do Norte, talvez valesse a pena relembrar, em linha com Maquiavel, que em política o que importa é a verdade efectiva das coisas e os resultados, não a imaginação. Como escreveu o florentino: “Nas acções de todos os homens, e mormente dos príncipes, em que não há um tribunal para onde reclamar, olha-se é ao resultado. Faça, pois, um príncipe por vencer e por manter o estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos serão louvados, porque o vulgo prende-se é com o que parece e com o desenlace das coisas.” 

Mas claro que o Comité Nobel Norueguês pode sempre preferir continuar a desvalorizar a importância do Prémio Nobel da Paz. Afinal, a Academia Sueca tem feito o mesmo, com bastante sucesso, com o Prémio Nobel da Literatura. São, aliás, cada vez mais aqueles que atribuem pouca ou nenhuma importância à instituição dos Prémios Nobel – bem como às opiniões de Miguel Sousa Tavares.

China, Rússia e a subversão das democracias liberais

Larry Diamond, This Sputnik Moment:

The proliferating global influence activities of China and Russia diverge from traditional means of public diplomacy. Instead, they use wealth, stealth and coercion to coopt influential policy voices and players, control information flows, censor unfavorable reporting and analysis, and ultimately mold societal attitudes and government postures.

The methods vary. Each regime has relied heavily on the promotion of its state-controlled media abroad, such as Xinhua News Agency, CGTV, and RT (formerly Russia Today). Russia has been perfecting a new form of geopolitical warfare, using social media to intensify political polarization, inflame social divisions, sow doubt and cynicism about democracy, and promote pro-Russian politicians and parties. Through investments, partnership agreements, donations, exchanges, positions on boards of directors, and other “friendly” relations, China has fostered wider and deeper penetration into the vital tissues of democracies—media, publishing houses, entertainment industries, technology companies, universities, think tanks, and non-governmental organizations. These intrusions are rapidly expanding not only in the West but in Latin America, post-communist Europe, and Africa as well. In different but perhaps equally devastating ways, China and Russia are using the openness and pluralism of democracies to subvert and bend them to their strategic objectives—principally, the weakening of Western democratic alliances and the relentless expansion of their own economic and geopolitical power.

What these two resurgent authoritarian states are projecting, argue Walker and Ludwig, is power that is not “soft” but rather “sharp,” like the tip of a dagger: It enables them “to cut, razor-like, into the fabric of a society, stoking and amplifying existing divisions” (in the case of Russia) or to seek, especially in the case of China, “to monopolize ideas, suppress alternative narratives, and exploit partner institutions.”

(…).

The bottom-line stakes are existential: Will the United States—and liberal democracies collectively—retain global leadership economically, technologically, morally, and politically, or are we entering a world in which we conspire in our own eclipse?

Parabéns a Mário Centeno

A eleição de Mário Centeno para Presidente do Eurogrupo numa altura em que a França tem um Presidente com uma visão para o futuro da União Europeia e em que a arrogante e obtusa dominação merkeliana parece ameaçada, é uma boa notícia. Mas o desfecho das negociações para a formação de governo na Alemanha será determinante para o futuro da União Europeia.