Com o spin em alta rotação a presentear-nos com leituras e interpretações dos resultados eleitorais para todos os gostos, observo que continuamos a ser uma democracia deficitária, com cidadãos menorizados a serem exclusivamente chamados a ratificar o que os directórios partidários decidem à porta fechada. Assim se explica que muitos dos eleitos do PS e do PSD sejam ilustres desconhecidos e/ou meros caciques e que as respectivas listas tenham sido encabeçadas por péssimos candidatos – por mais que os seus correligionários nos queiram convencer do contrário. Com a honrosa excepção do Livre – não obstante o resultado das suas eleições primárias ter desagradado a direcção -, o recrutamento político continua a fazer-se em circuito fechado, e para os partidos do centrão as eleições europeias servem para pouco mais do que promover alguns boys and girls e/ou incómodos reais ou potenciais para o chefe. Infelizmente, os nossos políticos de vistas curtas não sabem fazer melhor. Por último, destaco a descida do Chega e a vitória da Iniciativa Liberal, o único partido que cresceu quer em termos absolutos quer em percentagem e, portanto, o único, para além do PS, que se pode afirmar como vencedor nestas eleições.
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Do reaccionarismo da direita da “Identidade e Família”
Agora que a poeira assentou, aqui ficam algumas considerações acerca da polémica em torno da publicação do livro Identidade e Família:
1 – Comungando a totalidade dos autores do livro da doutrina católica, destacam-se alguns deles por o seu pensamento político ser classificado pelos próprios e por terceiros como “conservador”, casos de Paulo Otero, João César das Neves, Jaime Nogueira Pinto e Gonçalo Portocarrero de Almada.
2 – Sendo certo que existem duas grandes correntes do conservadorismo – teoria política cujo berço (e local onde foi mais desenvolvida) é a Grã-Bretanha -, uma com um substrato religioso e outra de teor secular, no nosso país, o conservadorismo tem revolvido, ao longo das últimas décadas, em torno da doutrina social da Igreja Católica, da democracia cristã e de temas como o saudosismo do Estado Novo, a crítica ao 25 de Abril de 1974 e a oposição ao liberalismo e ao socialismo nas suas várias declinações, que se reflecte, por exemplo, na oposição à interrupção voluntária da gravidez, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à co-adopção por estas e à eutanásia. Fundamentalmente, estamos em presença de um conservadorismo católico.
3 – É completamente estranho ao pensamento de vários conservadores portugueses o pensamento de autores como David Hume, Edmund Burke ou Michael Oakeshott. Sinteticamente, estes últimos dão voz a um conservadorismo que aceita a mudança contanto que seja resultante da evolução orgânica da sociedade, gradual e reformista, não revolucionária, total e ideologicamente guiada. Para esta corrente, que alguns classificam como sendo um conservadorismo liberal, a mudança deve ainda resultar de necessidades concretas e não de princípios abstractos alcançados por uma razão dedutiva e apriorística, i.e., pelo que Oakeshott, Popper ou Hayek classificaram como racionalismo dogmático ou construtivista. Por outras palavras, é uma teoria política herdeira das Revoluções Inglesa e Americana e crítica da Revolução Francesa, sendo ainda hoje o substrato ideológico do Partido Conservador do Reino Unido.
4 – Esta corrente, como explica Oakeshott, não implica necessariamente quaisquer crenças religiosas, morais ou de outros domínios “acerca do universo, do mundo em geral ou da conduta humana em geral.” O que está implícito na disposição conservadora em política são “determinadas crenças acerca da actividade governativa e dos instrumentos do governo”, que nada “têm a ver com uma lei natural ou uma ordem providencial, nada têm a ver com a moral ou a religião; é a observação da nossa actual forma de viver combinada com a crença (que do nosso ponto de vista pode ser considerada apenas como uma hipótese) que governar é uma actividade específica e limitada, nomeadamente a provisão e a custódia de regras gerais de conduta, que são entendidas não como planos para impor actividades substantivas, mas como instrumentos que permitem às pessoas prosseguir as actividades que escolham com o mínimo de frustração, e portanto sobre a qual é adequado ser conservador”.
5 – O pensamento plasmado nos artigos de alguns dos autores do mencionado livro, por seu lado, assenta em crenças religiosas e morais e visa restaurar uma determinada concepção de sociedade reminiscente do Estado Novo. Pretende repudiar regras de conduta gerais e abstractas desenvolvidas através da evolução cultural da sociedade portuguesa que têm a liberdade individual e a possibilidade de escolha no seu cerne e substituí-las por uma visão ancorada numa doutrina e crença religiosa que prescreve condutas específicas e substantivas e não é partilhada por todos os cidadãos. Tem como objectivo substituir uma perspectiva liberal e pluralista de sociedade, em que não existe uma verdade única e é deixada aos indivíduos a capacidade de prosseguirem diversas concepções de vida boa, por uma ortodoxia pública imposta pelo Estado alicerçada numa única definição do que constitui uma vida boa, reduzindo a esfera de liberdade de todos os cidadãos.
6 – A visão de sociedade patente em vários destes artigos implica, consequentemente, uma oposição a mudanças que ocorreram de forma evolucionista e gradual na sociedade portuguesa ao longo de 50 anos, tendo sido possibilitadas pelo 25 de Abril de 1974. Estamos perante um pensamento contra-revolucionário e providencialista – próximo de Joseph de Maistre e Louis de Bonald -, que se reflecte num conservadorismo autoritário que pode e deve ser definido numa única palavra: reaccionário.
7 – Este pensamento reaccionário critica o que classifica como “ideologia de género” partindo da premissa de que o que considera ser a “família natural” é a única concepção legítima de família, dela derivando o conteúdo normativo do que pretende impor autoritariamente a toda a sociedade, sendo todas as outras concepções consideradas desvios patológicos produzidos pela modernidade ou pelo pós-modernismo. Para além de não aceitarem mudanças produzidas pelo curso natural e gradual da evolução social, acreditam que a sua concepção de família é ideologicamente neutra, como se não fosse ela própria uma ideologia de género, uma visão ideológica dos papéis de género e da sexualidade. Talvez falte aos seus cultores capacidade para apreciar esta ironia.
8 – Para finalizar, perdoem-me a deselegância de citar um artigo da minha autoria, escrito a propósito do combate que muitas das figuras desta direita reacionária promoveram à disciplina de Educação para a Cidadania, que, infelizmente, retém actualidade:
Todavia, esta ideia não chega a ser surpreendente, porquanto boa parte da direita, naquilo que vê como um combate cultural gramsciano, acolhe uma inversão entre as matérias onde o primado da comunidade política se impõe e aquelas onde a esfera da liberdade individual deveria tomar preeminência. É uma marca característica desta direita, por um lado, recomendar a liberdade de escolha em áreas como a educação, a saúde e a segurança social com propostas de políticas públicas que serviriam essencialmente os interesses das classes sociais privilegiadas à custa do bem comum, e, por outro, defender a imposição a todos os cidadãos, pela coerção estatal, de uma visão do mundo alicerçada em larga medida na religião católica em matérias eminentemente do foro da liberdade individual e da esfera privada, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a despenalização do aborto e a eutanásia.
Por outras palavras, nuns dias são liberais que acolhem a separação entre sociedade civil e Estado e clamam contra a intromissão deste e da ideologia em domínios em que, por definição, o aparelho político tem de tomar opções políticas e ideológicas, e noutros prosseguem a herança do absolutismo para defender a imposição de uma perspectiva ideológica em matérias em que o Estado se deveria limitar a respeitar o foro privado e a liberdade individual.
Eternamente arrendatários
No programa de governo hoje apresentado anuncia-se a intenção de eliminar o IMT e garantir financiamento a 100% do crédito à habitação para os jovens até aos 35 anos.
Tenho 37 anos, um vínculo laboral precário, e pago, em conjunto com a minha mulher, uma renda de quase 1500 euros num concelho limítrofe de Lisboa, cidade onde trabalhamos. Não beneficiamos de uma rede de suporte familiar em termos financeiros, atravessámos crises económicas sucessivas desde 2008 e temos tentado, na medida do possível, amealhar para adquirir habitação própria, o que se tem tornado verdadeiramente utópico num país com rendas exorbitantes (na região em que trabalhamos), condições de acesso ao crédito restritivas e (mais) um imposto absurdo, o IMT, que se constitui, em conjunto com a exigência de uma entrada de 10% do valor do casa, num enorme obstáculo, especialmente num contexto em que a especulação imobiliária vingou perante a inércia dos governos anteriores, tornando os preços da habitação incomportáveis para milhares de pessoas que se encontram em situação idêntica à nossa.
Impõe-se perguntar: por que raio seremos agora excluídos de uma medida que beneficia os que têm até 35 anos em vez de criar condições equitativas para todos aqueles que necessitam de adquirir uma primeira habitação neste contexto particularmente exigente e desafiante?
Que sentido faz introduzir esta distorção no mercado, privilegiando um segmento etário à custa de outros que estando há anos a lutar para ter uma primeira habitação própria se vêem agora completamente marginalizados pelo governo da AD?
Por que razão somos excluídos de uma medida essencial para as nossas vidas por um critério totalmente arbitrário assente exclusivamente na idade?
Daqui se deduz que, para a AD, todos os que têm mais de 35 anos e se vêem na contingência de pagar rendas exorbitantes e não conseguir adquirir habitação própria servem essencialmente para pagar impostos. Que miséria de país.
Na hora da demissão de António Costa
Naturalmente, estamos agora focados na árvore e a pensar no que se seguirá, ou seja, se o Presidente da República, que convocou os partidos e o Conselho de Estado para os próximos dias, dará espaço a uma solução interna da maioria parlamentar do PS (com que legitimidade?), ou, o que é mais provável, dissolverá a Assembleia da República – isto numa altura de discussão do Orçamento do Estado para o próximo ano. O país político estará hoje especialmente agitado, num corrupio de telefonemas e especulação sobre cenários eleitorais, e muito provavelmente passará os próximos meses a fazer listas de candidatos a deputados à porta fechada – que os cidadãos são meramente chamados a ratificar nas urnas – e a preparar e conduzir a campanha eleitoral, onde mais uma vez o foco será nas lideranças políticas, como é timbre da personalização do poder político.
Mas talvez valha a pena olhar para a floresta. Nos últimos 23 anos, o PS foi governo durante 16. Dos seus 3 Primeiros-Ministros neste período, um saiu perante o “pântano político”, outro continua numa rocambolesca relação com a Justiça e é com esta que o terceiro inicia agora uma relação cujos contornos ainda desconhecemos. A isto acrescem ainda dezenas de casos de Ministros, Secretários de Estado, adjuntos, assessores e autarcas envolvidos em diversas suspeitas de corrupção e afins. Por mais “códigos de ética e conduta” e “estratégias nacionais de combate à corrupção” que sejam formulados, é inegável que Portugal tem um problema estrutural de corrupção e descrédito das instituições políticas, o que alimenta os populismos quer à esquerda quer à direita.
Na sua classificação das formas de governo Montesquieu explica que, quanto à sua natureza, existem três: a monarquia, a república (que pode ser mais aristocrática ou mais democrática) e o despotismo. Quanto ao princípio que anima cada forma, entendendo por tal o propósito que anima o povo, o que o faz actuar, considera que a república se fundamenta na virtude (amor à pátria e dedicação à causa pública), a monarquia na honra (baseada nos privilégios e distinções) e o despotismo no medo. O autor da fórmula final da separação de poderes admirava as repúblicas, mas considerava que a virtude cívica requer um elevado padrão moral, um espírito público por parte dos cidadãos que os motive a subordinar os interesses privados ao público.
Acontece que, como salienta Chandran Kukathas a respeito da teoria política de David Hume, “Não podemos depender da benevolência ou virtude dos actores políticos se queremos que a liberdade e a segurança das possessões sejam asseguradas”, pelo que “a única solução é ter uma constituição forte cujas regras gerais mantenham os grupos de interesse e indivíduos ambiciosos em xeque. São as regras e não os indivíduos que governam que asseguram a segurança e a liberdade da sociedade.”
No fundo, ecoa Cícero e Santo Agostinho, a propósito de quem Alan Ryan afirma que “[Cícero faz] da justiça a característica definidora de uma república que é realmente uma república, e antecipa a famosa observação de Santo Agostinho de que sem justiça um estado é simplesmente um grande gangue de ladrões: um estado corrupto não é uma comunidade. Não pode haver res publica se as instituições do governo são pervertidas para servir interesses privados. (…). Boas instituições protegem o interesse comum contra a erosão por interesses privados e evitam que os conflitos de interesses privados se tornem destrutivos.”
Enquanto comunidade politicamente organizada, temos evidentes problemas éticos, que não raro desaguam em problemas legais. Estes são particularmente notórios no PS porque a sua permanência durante longos períodos no poder acaba por potenciar vícios que conduzem à captura do Estado por determinados interesses privados e à erosão do interesse público. A forma de reduzir a elevada exigência moral colocada pela virtude cívica e levar a uma revalorização da causa pública é através do desenho institucional. Como também ensina Montesquieu, “todo o homem que tem poder é levado a abusar dele” indo até onde encontra limites.
Por outras palavras, precisamos urgentemente de reformar o sistema político nas suas diversas componentes. Sobre isto, teci algumas considerações já há quatro anos no Observador. Talvez esta seja uma boa oportunidade para reflectirmos sobre o que precisamos de fazer para melhorar a qualidade da nossa democracia liberal antes que ela se degrade ainda mais.
Sobre a noite eleitoral
O PS esvaziou os partidos de esquerda (BE e CDU), porventura penalizados pelo chumbo do orçamento conducente a uma crise política em plena crise pandémica e económica, e os novos partidos de direita erodiram a direita histórica. Uma direita com um partido (PSD) tomado por um proto-autoritário que pretende controlar a justiça e a comunicação social e navega ao sabor do vento no que diz respeito a coligações com a extrema-direita, e outro (CDS) a morrer nas mãos de um adolescente tardio que julga liderar uma associação de estudantes e se insurge contra espantalhos como o marxismo cultural e a direita fofinha dos salões do Príncipe Real. Ambos abriram espaço para o crescimento de um partido racista e xenófobo (CH) e de outro (IL) alicerçado num libertarianismo yuppie. Temos assim uma direita ideologicamente mais vincada e purista, organizacionalmente escaqueirada e orfã de quem a federe. Perante lideranças incapazes e um crescente radicalismo ideológico à direita, e um comportamento irresponsável à esquerda do PS, sendo as eleições ganhas ao centro, é natural que os eleitores que oscilam entre PS e PSD tenham decidido reforçar o PS. Isto significa um certo conservadorismo em relação à preservação do regime democrático, do Estado Social, do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública. Ou seja, aquilo que foram conquistas do liberalismo, do conservadorismo, da democracia cristã e da social-democracia no pós-II Guerra Mundial. Quando perceber isto e se deixar de aventureirismos, talvez a direita consiga voltar a ganhar eleições.
Menos estadão, mais liberdade
O Expresso perguntou a 12 jovens os seus desejos para 2022. Aqui fica o meu;
Menos estadão, mais liberdade
Quando os políticos nos tentam fazer crer que a mera delegação de competências administrativas nos municípios equivale a um processo de descentralização, concluímos que o Estado-aparelho de poder hierarquista, centralizador e habituado a mandar de cima para baixo continua a subjugar-nos.
Falta cumprir-se, como escreveu Alexandre Herculano, “a administração do país pelo país (…) realização material, palpável, efetiva da liberdade na sua plenitude”.
Sob pena de continuarmos enredados num debate em que se confunde deliberadamente descentralização com deslocalização e delegação de competências administrativas, torna-se desejável e necessário um sobressalto cívico que contribua para uma discussão esclarecida e conduza a um verdadeiro processo descentralizador, feito de baixo para cima. É preciso que se criem níveis intermédios de governação que tornem o sistema político mais representativo e participativo, concretizando o princípio da subsidiariedadsubsidiariedade e aproximando a decisão política das comunidades locais.
A plena liberdade poderá ser realizada pela descentralização política por via da regionalização, implicando necessariamente a reforma do actual sistema eleitoral de uma democracia sem povo, onde este é apenas chamado a ratificar as listas feitas à porta fechada pela partidocracia. Para romper com o excessivo domínio da vida pública pelos partidos, que, como também assinalava Herculano, carecem da centralização para preservar o poder, urge que a sociedade civil seja capaz de se mobilizar e de os pressionar.
O estadão a que chegámos não é nem tem de ser o fim da história.
Programa para hoje
Programa para hoje
On January 20, 2021, Biden was inaugurated as president of an America devastated by the pandemic, submerged in the greatest economic crisis since the Great Depression, divided internally and with international prestige in its nadir.
This complex context has placed on the current administration’s shoulders the responsibility of uplifting the United States, with the first 100 days of his administration playing a key role in this mission.
Within this scope, NERI, in partnership with FLAD, prepared the Webinar “The First 100 Days of Biden’s Administration”, which will be held on April 30th at 2:30 pm (Lisbon) / 9:30 am (Massachusetts).
Moderated by Samuel de Paiva Pires – visiting professor at ISCSP -, this session will count with the honorable contributions of Ana Santos Pinto – assistant professor at the Department of Political Studies in NOVA University of Lisbon – and Michael J. Rodrigues – state senator representing the First Bristol and Plymouth District.
Join us and be part of a highly-promissing event/discussion, sign up now!
https://forms.gle/Qm9DQj9x75RrnhLKA
Jota a Jota: Especial Chega
A convite de Luis Francisco Sousa, estive à conversa com Riccardo Marchi sobre o Chega e André Ventura para o podcast Jota a Jota. Podem ouvir no formato podcast ou assistir ao vídeo que aqui fica.
Bem-vindos ao teatro do absurdo
O meu balanço das eleições presidenciais, no Sapo 24:
Salvou-se o bom discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, uma espécie de Presidente-Rei do Portugal contemporâneo, numa noite que representa, por diversas razões, um novo capítulo da história democrática. O regime precisa de se modernizar para promover uma maior participação eleitoral e aprofundar a representatividade e tem forçosamente de responder aos problemas económicos e sociais que enfrentamos para evitar a fragmentação social e a polarização política em que o populismo medra. Marcelo demonstrou ter consciência disto mesmo, mas encontra-se perante uma conjuntura de difícil gestão. Tanto a esquerda como a direita democráticas têm de se regenerar e reconfigurar para procurarem reconquistar aqueles que se sentem injustiçados e ignorados pelo sistema. A contagem decrescente já começou.
Programa para amanhã: Lançamento de “Portugal pós-liberal”, novo livro do Professor José Adelino Maltez
O novo livro do Professor José Adelino Maltez, Portugal pós-liberal, será lançado amanhã na Biblioteca da Academia Militar, em Lisboa, pelas 18:30. A apresentação estará a cargo de João Soares. O livro já pode ser adquirido através da Wook e para mais informações podem consultar a página no Facebook.
Isto está tudo ligado
Hoje escrevo no Observador sobre como a reforma do sistema eleitoral (que, mais uma vez, foi adiada para as calendas gregas), o centralismo, a regionalização, a valorização do interior, o regresso de emigrantes e o crescimento económico são questões intrinsecamente ligadas. Infelizmente, estamos reféns de partidos políticos que, parafraseando Lampedusa, andam há décadas a mudar alguma coisa para que fique tudo como está. Por isso, termino este artigo assim:
Dir-me-ão que estou a ser demasiado ambicioso e até irrealista com estas propostas, quando, afinal, eu próprio aventei acima que dificilmente os principais partidos abdicarão do statu quo, ao que acresce termos uma sociedade civil anémica com pouca capacidade de pressionar o sistema político. Mas tudo isto serve também outro propósito: evidenciar a distância entre o discurso e a acção dos partidos políticos nos temas a que aludi e a nossa incapacidade, enquanto sociedade civil, para fiscalizarmos e responsabilizarmos o poder político e o pressionarmos no sentido de se proceder a reformas realmente estruturais que aproveitem mais eficientemente os recursos naturais, humanos e financeiros do país. Como escreveu Miguel Torga, “Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados.” Os partidos políticos agradecem.
Do sistema político português
José Adelino Maltez, Metodologias da Ciência Política: Relatório das provas de agregação apresentado no Outono de 1996, Lisboa, ISCSP-UTL, 2007, p. 223:
“E eis que o processo de luta entre os grupos se transforma de luta aberta em luta oculta, no qual, na nebulosa e nas brumas, conspiram, já não sociedades secretas e sociedades discretas, mas, sobretudo, grupos de amigos e muitas outras minorias militantes e feudalizantes ao serviço de programas gnósticos, por onde circulam inúmeros idiotas úteis que executam sem saberem de programação.
“Os apoios e as reivindicações, assim instrumentalizados, tendem a favorecer um crescente indiferentismo, o qual é o principal input dos actuais sistemas políticos que não sabem manter relações de troca com os outros subsistemas sociais. Tudo se joga no tabuleiro de um esotérico, onde comunistas, ex-comunistas, maçónicos e antimaçónicos, anticomunistas e anti-ex-comunistas brincam ao jogo dos iniciados, sem estabelecerem comunicação com quem é cada vez mais abstencionista, mesmo que se procure inverter a disfunção com o recurso aos populismos e às vozes tribunícias.
“É por tudo isto que Portugal se dessangra em autonomia, em identidade e em consciência. Colonizado por forças exteriores e empobrecido por forças internas, tende para uma mediocracia. A classe política caminha para um rebaixamento de fins porque o nível dos apoios e das reivindicações tende a expressar-se, de modo dominante, por minorias militantes, essas que circulam no conúbio entre a classe política e a classe mediocrática. Surge, assim, um crescente volume de indiferença abstencionista como principal forma de entrada no sistema político, o qual tende apenas a produzir decisões para quem o provoca, correndo o risco de se desenraizar do ambiente, de entrar em disfunção, mesmo que, internamente, funcione de forma correcta.”
Um estudo empírico que contraria vários argumentos favoráveis ao populismo
Yascha Mounk e Jordan Kyle decidiram realizar um estudo com base em dados empíricos e confrontar argumentos a respeito do populismo, tendo escrito este excelente artigo que reforça aquilo que muitos, entre os quais este vosso humilde escriba, têm vindo a defender, que o populismo, de esquerda ou de direita, é uma ameaça às democracias liberais, não um correctivo. Aqui fica a conclusão:
Since populists often thrive on anger about all-too-real shortcomings—elites who really are too remote, political systems that really are shockingly corrupt—it is tempting to hope that they can help rejuvenate imperfect democracies around the world. Alas, the best evidence available suggests that, so far at least, they have done the opposite. On average, populist governments have deepened corruption, eroded individual rights, and inflicted serious damage on democratic institutions.
Sobre o populismo
O Alexandre Homem Cristo está cheio de razão quando afirma que está em curso uma batalha pela linguagem centrada na definição de “populismo” – o novo fascista, neo-liberal ou comunista enquanto insulto no quotidiano politiqueiro. Cá no burgo, esta batalha, à semelhança do que acontece(u) com os epítetos anteriormente mencionados, faz-se em larga medida entre pessoas que sofrem de hemiplegia moral, políticos e comentadores que procuram colar aos adversários este rótulo como forma de deslegitimar a sua participação no processo político demo-liberal.
São, portanto, incapazes, de perceber ou admitir o que já tantos autores, de Margaret Canovan a Ernesto Laclau, ou mais recentemente, Cas Mudde e Jan-Werner-Muller, pese embora o sempiterno debate em torno da definição de populismo – como acontece com qualquer outro conceito na ciência política -, definiram enquanto características centrais do populismo, nomeadamente, a possibilidade de acomodar qualquer ideologia, de esquerda ou de direita (o populismo é uma ideologia de baixa densidade – na classificação de Mudde e Kaltwasser, que se socorrem desta expressão originalmente utilizada por Michael Freeden – ou seja, como escrevi num artigo para o Jornal Económico, tem um reduzido conteúdo ideológico normativo, aparecendo normalmente ligado a outras ideologias que, essas sim, procuram articular determinadas concepções a respeito da natureza humana, da sociedade e do poder político, estabelecendo a partir destas uma determinada visão do mundo. O mesmo é dizer que o populismo se acopla a ideologias quer de esquerda quer de direita, existindo inúmeros exemplos de políticos e partidos de ambos os quadrantes que articulam uma retórica populista com as mais diversas ideologias. Existem, assim, subtipos do populismo, mas raramente se encontrará o populismo numa forma pura), a divisão da sociedade entre o povo puro e a elite corrupta e a pretensão de que a política seja a expressão da rousseauniana vontade geral, de que os populistas dizem ser os únicos e legítimos representantes.
Disto facilmente se percebe que, independentemente da forma como seja teorizado (ideologia, estilo discursivo ou estratégia política sendo as três formas mais comuns), o populismo é incompatível com a democracia liberal, daí que seja particularmente apropriada a definição mínima avançada por Takis Pappas (recomendação de Pedro Magalhães no Facebook) de populismo enquanto democracia iliberal. Esta definição mínima está, aliás, em linha com as considerações de Mudde e Kaltwasser a respeito dos impactos do populismo consoante a fase do processo de democratização em que surja, podendo ter impactos positivos sobre regimes autoritários, ao catalisar uma transição democrática, mas tendo frequentemente impactos negativos se surgir numa democracia liberal consolidada, representando uma ameaça que se pode concretizar num processo de desdemocratização (dividido em erosão democrática, ruptura democrática e repressão).
É por isto que, na minha humilde opinião, o populismo contemporâneo representa uma séria ameaça ao que Michael Doyle se refere como a zona de paz liberal, uma actualização da teoria da paz democrática derivada da ideia de paz perpétua de Kant, e, consequentemente, ao modo de vida a que estamos habituados no Ocidente. Mas sobre isto, passe a imodesta publicidade, falarei na próxima semana, no dia 21, no I Congresso de Relações Internacionais da Universidade Lusíada-Norte.
Da polarização política nas redes sociais
Jeffrey Rosen, America Is Living James Madison’s Nightmare:
Exacerbating all this political antagonism is the development that might distress Madison the most: media polarization, which has allowed geographically dispersed citizens to isolate themselves into virtual factions, communicating only with like-minded individuals and reinforcing shared beliefs. Far from being a conduit for considered opinions by an educated elite, social-media platforms spread misinformation and inflame partisan differences. Indeed, people on Facebook and Twitter are more likely to share inflammatory posts that appeal to emotion than intricate arguments based on reason. The passions, hyper-partisanship, and split-second decision making that Madison feared from large, concentrated groups meeting face-to-face have proved to be even more dangerous from exponentially larger, dispersed groups that meet online.
Dias difíceis para Trump
Como se não bastasse o novo livro de Bob Woodward, em que Trump aparece recorrentemente retratado pelos membros da sua Administração como uma criança ignorante, este artigo vem confirmar a resistência de muitos destes membros e, creio, vai certamente espoletar uma acesa discussão na sociedade americana, desde logo porque, provavelmente, não tardará que alguém levante a questão da ausência de legitimidade democrática de membros da Administração e funcionários governamentais que frustram ou, pelo menos, limitam o alcance de decisões tomadas pelo Presidente dos EUA, mesmo que estas sejam disparatadas e contrárias ao interesse nacional. Por outro lado, a alusão à 25.ª Emenda irá certamente reforçar os que pedem que se incie um processo de impeachment. Entretanto, no Twitter, Trump invoca a segurança nacional para exigir ao New York Times que entregue o autor do artigo à Administração, revelando, mais uma vez, os seus tiques autoritários e mostrando que continua sem perceber como funciona uma democracia liberal e a liberdade de imprensa.
É preciso mudar alguma coisa para que fique tudo como está
Somos fantásticos a organizar eventos, mas frequentemente medíocres a planear quase tudo o resto, muitas vezes até coisas básicas. É uma das razões porque muitas políticas públicas não têm a eficácia desejada, a falta de capacidade de previsão e planeamento – sem falar na execução. Há décadas que o país arde todos os anos e ainda não conseguimos criar um dispositivo altamente profissional, hierarquicamente bem estruturado e comandado, de prevenção e combate aos fogos. Estudos e mais estudos, relatórios, avisos e recomendações de especialistas vários ficam arrumados numa gaveta qualquer enquanto, ano após ano, lideranças políticas medíocres e chefias operacionais de competência duvidosa anunciam investimentos de milhões de euros e, quando as coisas correm mal, atropelam-se em falhadas tentativas de spin sobre o que é mais que evidente: o caos na organização dos meios de combate ao fogo. Pelo meio, ninguém estranha nem se indigna por os bombeiros voluntários, heróis no meio disto tudo, se verem forçados a solicitar apoio em coisas básicas, como água e comida, às populações. Junte-se a isto uma sociedade civil anémica, que nem em face da tragédia que aconteceu em Pedrógão Grande pressionou devidamente as lideranças políticas, e temos as condições para continuar a praticar a célebre máxima de Lampedusa que titula este post. Para o ano há mais, como já é habitual.
Para um debate sobre a política externa portuguesa numa época de turbulência
Esta semana podem encontrar um artigo da minha autoria no Prisma, nova plataforma de slow journalism do Jornal Económico, em que viso contribuir para o debate sobre a política externa portuguesa na era de turbulência em que vamos vivendo, marcada pela crise do euro, crise dos refugiados, Brexit, Trump, Putin, Merkel, populismo, eurocepticismo, fundamentalismo islâmico e uma União Europeia à procura de perceber o seu futuro.
Do processo de corrupção moral do Bloco de Esquerda
Sobre Ricardo Robles, certamente, e é o mais escandaloso no caso em apreço, podemos falar na distância que vai daquilo que se proclama àquilo que se pratica, no sentimento de impunidade de quem se assume defensor de certas virtudes públicas, mas que na vida privada faz o mesmo que condena em terceiros, numa variante do provérbio “bem prega frei Tomás, faz o que ele diz e não o que ele faz”, apetecendo até invocar Lord Acton, para quem o poder corrompe, ou ainda Montesquieu, que nos ensinou que “todo o homem que tem poder é levado a abusar dele; vai até encontrar limites”.
Mas mais interessante até que os negócios de Robles, é assistir às tergiversações bloquistas a seu respeito, particularmente ilustrativas do que é uma certa esquerda que se auto-proclama detentora de uma qualquer superioridade moral que, alegadamente, a diferencia não só dos restantes posicionamentos políticos como de outros partidos e actores políticos individualmente considerados, mas que, na realidade, se tiver oportunidade, toma atitudes idênticas às daqueles que critica recorrentemente. Não é novidade que os parceiros geringonceiros do PS talvez tenham alcançado a maioridade política ao, finalmente, perceberem que a política não pode ser só pregar a suposta superioridade moral e pensar de forma absolutista, sendo muito mais a arte do possível, em que o exercício do poder requer a capacidade de negociar e encontrar compromissos. Os silêncios, nos últimos anos, dos geringonceiros BE e PCP sobre diversas matérias denotam isto mesmo. Mas coisa bem diferente é a tentativa de spin a respeito de factos que, além de reflectirem uma gritante hipocrisia (as posições políticas de Robles sobre o alojamento local e os negócios que realiza neste âmbito), objectivamente considerados, são censuráveis em qualquer pessoa, independentemente do partido em que milite, e que, obviamente, diminuem – e muito – a legitimidade política do político em causa.
Sabemos há muito que, como dizia Sir Humphrey Appleby, “where one stands depends upon where one sits”. Só não estávamos habituados a ver esta atitude no BE de forma tão explícita. Está, assim, concluído o processo de corrupção moral do BE, mais uma grande vitória de António Costa e do PS, mas que aproveita especialmente à direita portuguesa. Talvez os bloquistas ainda não o tenham percebido, mas este episódio coloca em causa todo o edifício da sua praxis política e terá notórias consequências no futuro do partido. Mas compreende-se que estejam ocupados com o debate, a decorrer enquanto escrevo este texto, subordinado à temática “propriedade é roubo”.