O regresso do fim das ideologias

Hoje escrevo no Observador sobre como a guerra na Ucrânia nos coloca perante um retorno da tese do fim das ideologias. Aqui fica um excerto:

Nesta conjuntura internacional, parece-nos importante questionar se não estaremos também a assistir ao regresso da tese do fim das ideologias, desta feita com base na dicotomia entre democracias liberais e regimes autoritários. Esta já era uma característica da política internacional pós-Guerra Fria, mas a interdependência económica entre as democracias liberais e, principalmente, a Rússia e a China, levou o Ocidente a lidar com uma certa bonomia com as interferências e tentativas de subversão das suas sociedades abertas. Agora que as aparências caíram por terra, somos todos, nas democracias liberais, convocados para um confronto político e ideológico. Com raras excepções, as divergências entre a esquerda e a direita parecem dar lugar a uma coesão social que se revela no apoio à Ucrânia e na consciência de que estamos perante uma ameaça existencial ao modo de vida demoliberal. A política internacional volta a definir as convergências e cisões ideológicas. O século XXI começa agora.

Sobre a noite eleitoral

O PS esvaziou os partidos de esquerda (BE e CDU), porventura penalizados pelo chumbo do orçamento conducente a uma crise política em plena crise pandémica e económica, e os novos partidos de direita erodiram a direita histórica. Uma direita com um partido (PSD) tomado por um proto-autoritário que pretende controlar a justiça e a comunicação social e navega ao sabor do vento no que diz respeito a coligações com a extrema-direita, e outro (CDS) a morrer nas mãos de um adolescente tardio que julga liderar uma associação de estudantes e se insurge contra espantalhos como o marxismo cultural e a direita fofinha dos salões do Príncipe Real. Ambos abriram espaço para o crescimento de um partido racista e xenófobo (CH) e de outro (IL) alicerçado num libertarianismo yuppie. Temos assim uma direita ideologicamente mais vincada e purista, organizacionalmente escaqueirada e orfã de quem a federe. Perante lideranças incapazes e um crescente radicalismo ideológico à direita, e um comportamento irresponsável à esquerda do PS, sendo as eleições ganhas ao centro, é natural que os eleitores que oscilam entre PS e PSD tenham decidido reforçar o PS. Isto significa um certo conservadorismo em relação à preservação do regime democrático, do Estado Social, do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública. Ou seja, aquilo que foram conquistas do liberalismo, do conservadorismo, da democracia cristã e da social-democracia no pós-II Guerra Mundial. Quando perceber isto e se deixar de aventureirismos, talvez a direita consiga voltar a ganhar eleições.

Jota a Jota: Especial Chega

A convite de Luis Francisco Sousa, estive à conversa com Riccardo Marchi sobre o Chega e André Ventura para o podcast Jota a Jota. Podem ouvir no formato podcast ou assistir ao vídeo que aqui fica.

A Educação para a Cidadania e a travessia do deserto da direita

A proposito da polémica sobre a Educação para a Cidadania, hoje escrevo no Observador sobre a crise que grassa na direita:

“Basta olhar para o programa da mencionada disciplina, como fizeram Pedro Mexia e João Miguel Tavares no Governo Sombra de 5 de Setembro, ou atentar no que escreveu Paulo Guinote no Público, para perceber que esta direita incorreu pela enésima vez na falácia do espantalho, facilmente explicada pela eterna obsessão com a igualdade de género, a sexualidade e o marxismo cultural, misturada com muita prosápia em torno de chavões como a liberdade de escolha e a doutrinação ideológica.
(…).
“Enquanto esta direita for incapaz de se organizar, de se consagrar como oposição efectiva e de apresentar um projecto político mobilizador que atenda às prioridades do país, continuará a infligir a si própria a menorização política a que temos assistido nos últimos anos em face de um PS cuja linha dominante não acolhe a inversão a que acima aludi e que, quando no governo, bem ou mal, vai procurando responder aos anseios concretos da maioria dos portugueses. Enquanto não conseguir sacudir-se de espantalhos, continuará uma penosa travessia do deserto.”