Habermas sobre Macron, Merkel e o futuro da União Europeia

Jürgen Habermas, “What Macron Means for Europe: ‘How Much Will the Germans Have to Pay?’“(destaques meus):

When looked at dispassionately, though, it is just as unlikely that the next German government will have sufficient far-sightedness to find a productive, a forward-looking answer when addressing the question Macron has posed. I would find some measure of relief were they even able to identify the significance of the question.

It’s unlikely enough that a coalition government wracked by internal tension will be able to pull itself together to the degree necessary to modify the two parameters Angela Merkel established in the early days of the financial crisis: both the intergovernmentalism that granted Germany a leadership role in the European Council and the austerity policies that she, thanks to this role, imposed on the EU’s southern countries to the self-serving, outsized advantage of Germany. And it is even more unlikely that this chancellor, domestically weakened as she is, will refrain from step forward to make clear to her charming French partner that she will unfortunately be unable to apply herself to the reform vision he has put forth. Vision, after all, has never been her strong suit.

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She too is fully aware that the European currency union, which is in Germany’s most fundamental interest, cannot be stabilized in the long term if the current situation – characterized by years of deepening divergence between the economies of Europe’s north and south when it comes to national income, unemployment and sovereign debt – is allowed to persist. The specter of the “transfer union” blinds us to this destructive tendency. It can only be stopped if truly fair competition across national borders is established and political policies are implemented to slow down the ongoing erosion of solidarity between national populations and within individual countries. A mention of youth unemployment should serve as example enough.

Macron hasn’t just drafted a vision, he specifically demands that the eurozone make progress on corporate tax rate convergence, he demands an effective financial transaction tax, the step-by-step convergence of the different social policy regimes, the establishment of a European trade prosecutor to ensure that the rules of international trade are adhered to, and much, much more.

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It is this self-empowerment of European citizens that he means when speaking of “sovereignty.” When it comes to identifying steps toward institutionalizing this newfound clout, Macron points to closer cooperation in the eurozone on the basis of a joint budget. The central and controversial proposal reads as follows: “A budget must be placed under the strong political guidance of a common minister and be subject to strict parliamentary control at (the) European level. Only the eurozone with a strong and international currency can provide Europe with the framework of a major economic power.”

By demonstrating the pretense of applying political solutions to the problems facing our globalized society, Macron distinguishes himself like few others from the standard fare of chronically overwhelmed, opportunistic and conformist politicians that govern day after day with little in the way of inspiration. It’s enough to make you rub your eyes: Is there really somebody out there who wants to change the status quo? Is there really someone with sufficient irrational courage to rebel against the fatalism of vassals who unthinkingly kowtow to the putatively coercive systemic imperatives of a global economic order embodied by remote international organizations?

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More than anything, though, political parties agree that European issues are to be carefully avoided in national elections, unless, of course, domestic problems can be blamed on Brussels bureaucrats. But now, Macron wants to do away with this mauvaise foi. He already broke one taboo by placing the reform of the European Union at the heart of his election campaign and rode that message, only one year after Brexit – against “the sad passions of Europe,” as he said – to victory.

That fact lends credibility to the oft-uttered trope about democracy being the essence of the European project, at least when Macron says it. I am not in a position to evaluate the implementation of the political reforms he has planned for France. We will have to wait and see if he is able to fulfill the “social-liberal” promise, that difficult balance between social justice and economic productivity. As a leftist, I’m no “Macronist,” if there is such a thing. But the way he speaks about Europe makes a difference. He calls for understanding for the founding fathers, who established Europe without citizen input because, he says, they belonged to an enlightened avantgarde. But he now wants to transform the elite project into a citizens’ project and is proposing reasonable steps toward democratic self-empowerment of European citizens against the national governments who stand in each other’s way in the European Council.

As such, he isn’t just demanding the introduction of a universal electoral law for the EU, but also the creation of trans-national party lists. That, after all, would fuel the growth of a European party system, without which the European Parliament will never become a place where societal interests, reaching across national borders, are collectively identified and addressed.

Fase de rescaldo

A agora ex-ministra da Administração Interna já não tinha condições para continuar no cargo há, pelo menos, 4 meses. Era inevitável que saísse do Governo, embora não seja despiciendo referir que foi necessário o Presidente da República intervir para António Costa se submeter ao que já era mais do que evidente. Mas agora, independentemente da dança das cadeiras no Governo, o que importa é saber se o Primeiro-Ministro vai tornar a reforma do dispositivo de prevenção e combate aos fogos uma prioridade nacional, alocando os recursos que forem necessários para evitar que se volte a repetir algo que possa assemelhar-se ao que aconteceu no passado fim-de-semana e em Junho. Agora que veio a chuva, esperemos que não se limite a mudar pouca coisa para que, na essência, fique tudo como está e para o ano haja mais do mesmo, como vem acontecendo há já cerca de 40 anos. Quanto mais não seja, e como Marcelo Rebelo de Sousa deixou patente no seu discurso, para assegurar a sobrevivência do seu Governo – algo que parece motivar o Primeiro-Ministro muito mais do que considerações éticas, sobre o interesse nacional ou a respeito das funções primordiais do Estado.

Vergonhoso

O discurso proferido há pouco por António Costa é absolutamente vergonhoso. A total falta de empatia, a incapacidade para a assunção de responsabilidades, a ausência de um pedido de desculpas aos portugueses por, em larga medida, terem sido deixados à sua sorte nestes últimos dias e pelos disparates ontem proferidos por membros do seu governo e por ele próprio, a repetitiva remissão para o relatório da comissão técnica independente sobre a tragédia de Junho deste ano, tudo isto é absolutamente deplorável. António Costa mostrou não ter qualquer sentido de Estado e que a reputação de politiqueiro lhe assenta como uma luva. Se dúvidas houvesse a este respeito, bastaria atentar no resumo de Gabriel Silva dos erros e responsabilidades directas que o Primeiro-Ministro teima em não assumir. Tudo isto vindo de um Primeiro-Ministro que afirma agora que “Depois deste ano nada ficará como dantes”, quando a sua proposta de Orçamento do Estado para 2018 não deixa adivinhar qualquer mudança estrutural no dispositivo de prevenção e combate aos incêndios. Como acontece há já cerca de 40 anos e como o próprio António Costa afiançava ontem, para o ano há mais, infelizmente.

Até quando abusarão da nossa paciência?

À hora a que escrevo este texto, registam-se 31 mortos nos incêndios de ontem, número que deverá continuar a aumentar. Quatro meses depois da tragédia de Pedrógão Grande, poucos dias após a publicação do relatório que evidencia as falhas graves que originaram esta tragédia – em resposta ao qual, a Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, diz que não se demite – e no dia em que o Secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, afirmou que “Têm de ser as próprias comunidades a ser proativas e não ficarmos todos à espera que apareçam os nossos bombeiros e aviões para nos resolver os problemas. Temos de nos autoproteger, isso é fundamental”.

Já nem falo nas consequências políticas que deveriam ser retiradas de tudo isto, da liderança da Protecção Civil por boys incompetentes, da gestão política com o objectivo de manter a popularidade de António Costa e de segurar a Ministra no cargo, da total ausência de conhecimento por parte da Ministra e do Secretário de Estado em relação à forma como vivem as populações no interior rural do país e como combatem os incêndios com os meios escassos que têm à disposição, da redução de meios de combate aos incêndios em resultado da compartimentação deste combate em várias fases, da desorientação e falta de coordenação dos meios existentes, do escandâlo que é o SIRESP, enfim, de tudo o que contribui para o que estamos a viver.

Apenas questiono, considerando que ano após ano se repete este flagelo, que as condições atmosféricas propícias a estes incêndios se registam ao longo de metade do ano, que ao Estado compete garantir a segurança dos seus cidadãos, até quando continuarão os políticos a ignorar a necessidade de estabelecer um dispositivo integrado de prevenção e combate aos incêndios florestais altamente profissional, especializado e em funcionamento durante todo o ano e a tempo inteiro? O que é que ainda terá de acontecer para que isto constitua uma prioridade nacional?

Do declínio do projecto liberal ao regresso da política no PSD

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A saída de cena de Passos Coelho abriu espaço no PSD para um eventual retorno da política ao centro da acção do partido, especialmente se for Santana Lopes o novo líder escolhido pelos sociais-democratas.

O anterior Primeiro-Ministro tem uma formação académica em economia e herdou uma situação política de crise em que as questões económicas e financeiras predominavam sobre quaisquer outras. Ademais, a sua ascensão à liderança do PSD e, posteriormente, do Governo, ficou marcada por uma atmosfera intelectual e política de acolhimento de um projecto político liberal que, em boa parte, passou dos blogs e de alguns meios académicos para o PSD. À semelhança de Passos Coelho, muitos dos que o rodearam e apoiaram neste projecto são formados em economia ou engenharia e as suas actividades profissionais passam, em larga medida, pelo ensino e investigação nestas áreas ou pelo meio empresarial.

Tal como Passos Coelho, muitos destes liberais acreditam ou acreditavam na narrativa alemã de imposição da austeridade como forma de expiar os pecados cometidos por governos anteriores e pelos próprios portugueses que teriam vivido acima das suas possibilidades e que, por isso, deveriam ser castigados. Escusando-me de abordar neste texto o confronto entre as duas narrativas durante a crise do euro e a errada receita da austeridade excessiva em que os merkelistas, passistas e muitos outros acreditavam, aos leitores interessados nesta temática recomendo a leitura deste artigo de Paul De Grauwe ou deste de Jay Shambaugh, em que fica patente que o caso grego é singular e o seu diagnóstico foi erradamente alargado a outros países.

Ao longo dos últimos anos, a receita da austeridade foi perdendo muitos adeptos em várias instituições internacionais e países – mesmo enquanto o Governo de Passos Coelho ainda estava no poder e acreditava em ir além da troika. Ademais, quando chegou ao fim o período e o plano do resgate financeiro a que Portugal foi sujeito, o Governo composto pelo PSD e CDS mostrou não ter qualquer outro plano norteador da sua acção.

Após as eleições legislativas de 2015, a solução encontrada por António Costa, a chamada geringonça, provocou uma alteração estrutural no sistema político português e remeteu Passos Coelho para a oposição. Ao longo dos dois últimos anos, a estratégia oposicionista de Passos Coelho passou essencialmente por anunciar, num tom catastrofista, que as políticas de António Costa e Mário Centeno irão levar-nos novamente a uma situação económica e financeira periclitante. Com excepção da dívida pública, os indicadores económicos têm contrariado as previsões de Passos Coelho. É certo que a conjuntura internacional continua a favorecer a nossa economia, embora devamos estar atentos à forma como o próximo governo de Merkel se irá posicionar e relacionar com Macron a respeito da reforma da União Europeia, bem como ao impacto que o Brexit terá no funcionamento futuro das instituições europeias. Mas também é certo que António Costa e Mário Centeno transmitem a imagem de que as finanças públicas estão sob controlo, apesar do aumento da dívida pública, e que as políticas do actual governo têm favorecido o crescimento económico. Claro que vários políticos e comentadores afectos ao PSD procuram reivindicar os bons resultados para o anterior Governo, mas independentemente do que for verdadeiro a este respeito, é o actual Governo que está no poder e, por isso, muito facilmente consegue reclamar para si os louros do recente crescimento económico. Ademais, se com o anterior Governo, de acordo com Luis Montenegro, a vida das pessoas não ficou melhor mas o país ficou muito melhor, com o actual Governo as pessoas sentem melhorias reais nas suas vidas, que se traduzem no aumento dos seus rendimentos.

Ora, como ensinava Maquiavel – e aqui limito-me ao papel de observador, não emitindo qualquer juízo de valor sobre o que se segue – em política é a verdade efectiva das coisas que importa, são as consequências que devem prevalecer na tomada de decisão (ou na terminologia de Max Weber, a ética da responsabilidade deve preponderar sobre a ética da convicção), e são os resultados reais que importam aos cidadãos. Porque, citando O Príncipe, “Nas acções de todos os homens, e mormente dos príncipes, em que não há um tribunal para onde reclamar, olha-se é ao resultado. Faça, pois, um príncipe por vencer e por manter o estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos serão louvados, porque o vulgo prende-se é com o que parece e com o desenlace das coisas.” Daí que Maquiavel, segundo José Adelino Maltez, seja “acima de tudo, o teórico do «homem de sucesso», do vencedor efectivo e não daquele que apenas tem vitórias ditas morais.” Nesta perspectiva, é fácil perceber quem é o homem de sucesso na contenda entre António Costa e Passos Coelho.

Um dos principais erros em que Passos Coelho e muitos liberais portugueses incorrem é a crença na distinção de uma realidade objectiva e única, que se impõe às ideologias e à política e que, alegadamente, eles conseguem discernir. Não explorando sequer os complexos problemas filosóficos da realidade e da verdade, creio ser útil complementar os ensinamentos de Maquiavel com a distinção de Harold e Margaret Sprout, no domínio das relações internacionais e da análise de política externa, entre o psychological milieu (ou meio psicológico) e o operational milieu (ou meio operacional) dos decisores políticos. O primeiro é o meio conforme é percepcionado pelo decisor, influenciado pelas suas crenças e vieses cognitivos, sendo o meio mais importante na formulação de decisões, ao passo que o segundo é o meio conforme este realmente é, no qual as decisões são executadas. A existência de incongruências entre os dois meios pode levar a más decisões e péssimos resultados. Parece-me que a incongruência entre o meio percepcionado por Passos Coelho e o meio operacional explica o fracasso da estratégia oposicionista insistentemente praticada.

Centrando-se esta estratégia meramente nas questões económicas, Passos Coelho e os seus apoiantes acabaram por se ver reduzidos à crítica ao crescimento da dívida pública e tornaram-se incapazes de gizar uma estratégia de oposição que permitisse combater o Governo de António Costa em várias frentes e eixos de acção política. Esta incapacidade parece-me resultar dos seus parcos ou nulos conhecimentos e interesses relativamente a outras áreas do conhecimento além da economia. Na realidade, a maioria dos liberais portugueses pouco ou nada tem a dizer de interessante, com autoridade e além dos seus dogmas ideológicos e da doxa plasmada em artigos de jornal e conversas de café,  sobre o exercício do poder político (querem um Estado mínimo ou, alguns, mais extremistas, a dissolução do Estado) e sobre temas como, a título exemplificativo, a representação política e a reforma do sistema eleitoral, a administração da justiça, o mundo do trabalho e as relações laborais (acreditam que os empresários são vítimas dos trabalhadores e do Estado), as políticas sociais (são para substituir pela caridade), a educação ou a saúde (só deveriam ser prestadas por privados), ou a política externa portuguesa que tem de enfrentar os desafios colocados pela reforma de uma União Europeia confrontada com o Brexit.

Por tudo isto, estou em crer que o projecto liberal que teve na liderança de Passos Coelho o seu pináculo em termos de exercício do poder político continuará em declínio e que, se Santana Lopes ascender à liderança do PSD, a oposição deste partido ao Governo de António Costa será decisivamente norteada por critérios políticos e a sua acção política global marcada pela formulação de um projecto político alternativo para o país – algo que Passos Coelho manifestamente não tem.

O capital talvez tenha pátria

A Alemanha que se recusa a reconhecer que a União Económica e Monetária (UEM) gera desequilíbrios que levam a choques assimétricos, que acredita que os seus excedentes comerciais resultam meramente da boa gestão e não se devem aos desequílibrios estruturais da UEM e à utilização de uma moeda subvalorizada, que insistiu na narrativa dos trabalhadores do norte da Europa vs. os preguiçosos do sul e que empurrou vários países para resgates financeiros que tinham entre os seus principais objectivos a privatização de empresas em sectores económicos estratégicos, vem agora queixar-se da influência que a China tem sobre os países europeus em que investiu. Mais do que irónico, é ilustrativo quanto baste da falta de visão da liderança merkeliana e de todos aqueles que sofrem do que Ulrich Beck denominou por cegueira da economia, que atinge muitos economistas que, segundo Wolfgang Munchau, padecem de analfabetismo político-social.