Não se consegue ainda perceber bem as consequências do ataque que Trump lançou esta noite sobre a base militar síria de onde alegadamente saíram os aviões que protagonizaram o recente ataque com armas químicas na Síria – ainda não foi confirmada a autoria deste ataque, embora a administração norte-americana afirme que tudo indica que a responsabilidade recai sobre Assad e a posição russa seja realmente risível. Alguns começaram já a condenar Trump por trair a retórica isolacionista em termos de política externa utilizada durante a campanha para as eleições presidencias do ano passado, outros afirmam que o ataque desta noite mostra um aventureirismo perigoso.
Eu prefiro sublinhar que Xin Jinping chegou ontem aos EUA para reunir com Trump e que tanto a China como a Rússia têm apoiado a Síria na ONU, o que me faz crer que a acção algo imprevisível de Trump comporta essencialmente uma mensagem para Pequim e Moscovo: há linhas que não podem ser atravessadas mesmo em contextos de guerra e os EUA não vão assistir impavidamente às acções de russos e chineses que atravessam essas linhas ou que apoiam quem as atravessa.
O ataque lançado pelos EUA é cirúrgico o suficiente para ser uma justa retaliação pela acção inqualificável de Assad, mas também, e mais importante, para servir como demonstração de força e enviar uma mensagem a Putin. E não deixa de ser ridículo ver o presidente russo, tantas vezes aplaudido por muitos por decisões imprevisíveis e demonstrações de força que ignoram ou violam o direito internacional e são justificadas por pretextos dúbios recorrendo a argumentos tipicamente utilizados por potências ocidentais, vir agora argumentar que a decisão de Trump viola o direito internacional, é uma agressão a um Estado soberano e prejudica as relações entre EUA e Rússia. Ora, afinal, o que foram as invasões da Geórgia e da Ucrânia, e em particular a anexação da Crimeia, senão provocações da Rússia a todo o Ocidente e agressões a Estados soberanos violadoras do direito internacional?
A utilização recorrente deste tipo de argumentos por Putin, que não correspondem à prática russa, deixa bem patente a duplicidade do presidente russo que ainda vai passando algo incólume, mas a sua utilização no dia de hoje mostra também que Putin foi surpreendido por Trump e não sabe bem, pelo menos para já, como reagir – o que é muito positivo.