Na era da informação, em que temos à distância de alguns cliques todo o tipo de conteúdos sobre toda e qualquer temática, em que qualquer um pode comentar tudo e mais alguma coisa sempre que o deseje através dos mais diversos aparelhos tecnológicos e utilizando as mais variadas plataformas de comunicação, como as redes sociais e os blogs, não deixa de ser particularmente penoso constatar que a ignorância, o dogmatismo e o fanatismo parecem também ser potenciados pelos meios que temos ao nosso alcance.
Com efeito, não é novidade para ninguém que as redes sociais vivem, em larga medida, das indignações fugazes. Há dois meses era a indignação de certa esquerda com Ricardo Araújo Pereira, há umas semanas era a indignação com um dos sócios da Padaria Portuguesa e, por ora, não me ocorrem outras indignações recentes, pelo simples facto de que são tão fugazes e, muitas vezes, tão patetas, que mal ficam na memória. Pelo meio, na forma, as indignações são sempre iguais: surgem rapidamente como reacção às declarações de alguém, têm um efeito viral nas redes sociais e geram barricadas que se digladiam furiosamente até, de repente, deixarem de o fazer – ou porque o assunto se esgotou, ou porque surgiu outra indignação ou qualquer outro evento mediático que capta a atenção da esmagadora maioria dos indignados.
O dogmatismo marca quase sempre presença nestas indignações, mas não é exclusivo dos constantemente indignados. Parece haver, entre muitos dos mais diversos intervenientes nos espaços públicos e políticos das sociedades demo-liberais, desde os mais aos menos esclarecidos, um dogmatismo que seria de esperar que os desenvolvimentos tecnológicos atenuassem, mas que acabam também por potenciar, talvez porque grande parte dos indivíduos viva em câmaras de eco, espaços em que determinadas ideias circulam, são reforçadas e não são questionadas e em que ideias divergentes são suprimidas, o que acaba por contribuir para a criação e/ou reforço de trincheiras político-ideológicas.
Não deixa de ser irónico que, sendo a filosofia moderna (e o ambiente intelectual contemporâneo) permeada pela dúvida cartesiana e pela impossibilidade de ter certezas, e quando tanto se fala em “pós-verdade” e “factos alternativos”, tantos pareçam ter tantas certezas absolutas sobre tudo e mais alguma coisa. De onde estas certezas vêm, pouco parece importar. Alguns socorrem-se da religião, outros da ideologia e outros ainda da realidade – como se pudessem ter contactos imediatos com “a realidade” e a pudessem avaliar objectivamente e sem referência ao enquadramento cultural que lhes fornece as ferramentas para a interpretar.
Naturalmente, isto faz com que o ambiente social e político se torne exasperante, sendo essencialmente uma arena em que os mais diversos grupos se confrontam sem que haja grande esperança de poderem ter uma discussão racional, sendo o debate político e moral reduzido a um confronto de vontades.
Provavelmente, pouco ou nada haverá a fazer quanto a este ambiente. Mas permitam-me terminar com uma nota de esperança, relembrando uma célebre passagem do ensaio “Philosophy and Politics” de Bertrand Russell:
The genuine Liberal does not say ‘this is true’, he says ‘I am inclined to think that under present circumstances this opinion is probably the best’. And it is only in this limited and undogmatic sense that he will advocate democracy.
What has theoretical philosophy to say that is relevant to the validity or otherwise of the Liberal outlook?
The essence of the Liberal outlook lies not in what opinions are held, but in how they are held: instead of being held dogmatically, they are held tentatively, and with a consciousness that new evidence may at any moment lead to their abandonment. This is the way in which opinions are held in science, as opposed to the way in which they are held in theology.