Da esquerda e da direita em Portugal

Francisco Mendes da Silva, “O Estado caixeiro-viajante”:

É claro que para esse debate será necessária a existência de uma esquerda que não deteste a ideia de nação, ou de pátria, e de uma direita que não abomine a ideia de Estado. Ou seja, uma esquerda que perceba que é a nação que melhor reproduz o sentimento de destino partilhado indispensável às políticas de solidariedade que defende; e uma direita para a qual o anti-estatismo seja só a vontade liberal de remeter o Estado ao seu papel subsidiário, não uma demanda melancólica, pré-moderna, pela sua aniquilação.

A história é o guia para a política

Ernst Cassirer, The Myth of the State (New Haven: Yale University Press, 1946), 156 (tradução minha):

(…) todas as épocas têm a mesma estrutura fundamental. Quem conhece uma época, conhece todas. O político que é confrontado com um problema concreto real encontrará sempre na história um caso análogo, e através desta analogia será capaz de agir da forma correcta. O conhecimento do passado é um guia seguro; aquele que adquiriu uma compreensão clara de eventos passados entenderá como lidar com problemas do presente e como preparar o futuro. Assim, não existe maior perigo para um príncipe do que negligenciar os exemplos da história. A história é o guia para a política.

A mensagem de Trump para Putin e Xi Jinping

Não se consegue ainda perceber bem as consequências do ataque que Trump lançou esta noite sobre a base militar síria de onde alegadamente saíram os aviões que protagonizaram o recente ataque com armas químicas na Síria – ainda não foi confirmada a autoria deste ataque, embora a administração norte-americana afirme que tudo indica que a responsabilidade recai sobre Assad e a posição russa seja realmente risível. Alguns começaram já a condenar Trump por trair a retórica isolacionista em termos de política externa utilizada durante a campanha para as eleições presidencias do ano passado, outros afirmam que o ataque desta noite mostra um aventureirismo perigoso.

Eu prefiro sublinhar que Xin Jinping chegou ontem aos EUA para reunir com Trump e que tanto a China como a Rússia têm apoiado a Síria na ONU, o que me faz crer que a acção algo imprevisível de Trump comporta essencialmente uma mensagem para Pequim e Moscovo: há linhas que não podem ser atravessadas mesmo em contextos de guerra e os EUA não vão assistir impavidamente às acções de russos e chineses que atravessam essas linhas ou que apoiam quem as atravessa.

O ataque lançado pelos EUA é cirúrgico o suficiente para ser uma justa retaliação pela acção inqualificável de Assad, mas também, e mais importante, para servir como demonstração de força e enviar uma mensagem a Putin. E não deixa de ser ridículo ver o presidente russo, tantas vezes aplaudido por muitos por decisões imprevisíveis e demonstrações de força que ignoram ou violam o direito internacional e são justificadas por pretextos dúbios recorrendo a argumentos tipicamente utilizados por potências ocidentais, vir agora argumentar que a decisão de Trump viola o direito internacional, é uma agressão a um Estado soberano  e prejudica as relações entre EUA e Rússia. Ora, afinal, o que foram as invasões da Geórgia e da Ucrânia, e em particular a anexação da Crimeia, senão provocações da Rússia a todo o Ocidente e agressões a Estados soberanos violadoras do direito internacional?

A utilização recorrente deste tipo de argumentos por Putin, que não correspondem à prática russa, deixa bem patente a duplicidade do presidente russo que ainda vai passando algo incólume, mas a sua utilização no dia de hoje mostra também que Putin foi surpreendido por Trump e não sabe bem, pelo menos para já, como reagir –  o que é muito positivo.